Em busca do diagnóstico preciso

Médicos do Instituto Fernandes Figueira (IFF) da Fundação Oswaldo Cruz, no Rio de Janeiro, encontraram uma pista fisiológica para um futuro diagnóstico do autismo, distúrbio neurológico até então detectado apenas pelas alterações comportamentais dos pacientes. Por meio de técnicas de eletroencefalografia, percebeu-se que crianças autistas apresentam uma menor ativação dos neurônios no hemisfério direito do cérebro. Se os resultados desse estudo se confirmarem em outros pacientes, será possível diagnosticar a doença de forma objetiva, o que permitiria intervenções precoces e mais eficazes.

A pesquisa foi realizada com 13 crianças autistas e 16 crianças normais, na faixa etária de seis a 14 anos. Todas foram expostas a uma luz estroboscópica durante 20 segundos, enquanto sua atividade cerebral era captada por eletrodos aplicados sobre suas cabeças. As freqüências em que os neurônios oscilavam, de acordo com os estímulos luminosos, foram registradas em um computador, que elaborou gráficos com os perfis de ativação dos hemisférios direito e esquerdo do cérebro.

A partir da comparação dos dados, os pesquisadores constataram que, entre os autistas, o nível de atividade no hemisfério direito – ligado às emoções e à interação social – era menor do que no mesmo lado do cérebro das crianças normais. Nas crianças autistas, havia uma forte discrepância entre a atividade dos dois hemisférios. “Geralmente, o cérebro normal apresenta uma maior atividade do hemisfério esquerdo, mas, nos autistas, essa diferença foi significativamente maior”, explica o neurologista Adailton Pontes, autor da dissertação de mestrado para a qual o estudo foi desenvolvido, com orientação do neurofisiologista Vladimir Lazarev e do neurologista Leonardo Azevedo, ambos do IFF.

Para que as alterações não fossem atribuídas a outras perturbações que costumam se associar ao autismo, como epilepsia, retardo mental grave e distúrbios severos de linguagem, foram selecionadas crianças autistas sem essas manifestações, ou seja, com um quadro clínico mais brando. “A análise de casos em que os sintomas são mais tênues permitirá traçar um perfil singular do autismo, não obscurecido pelas demais complicações”, esclarece Pontes.

Na seleção de crianças participantes havia apenas garotos. Isso se deve à dificuldade de encontrar, durante o tempo do estudo, meninas autistas em número suficiente. O médico explica que o autismo é mais comum no sexo masculino (quatro meninos para uma menina), e que, quando ocorre entre meninas, normalmente é mais grave. “É provável que isso esteja relacionado a fatores genéticos”, acredita Pontes.

Transtorno de desenvolvimento
O autismo é considerado um transtorno invasivo de desenvolvimento, que se manifesta por volta dos dois anos de idade, quando já se devem dominar estruturas básicas da comunicação oral. O autista apresenta deficiências nas funções de linguagem, entendimento e convívio social. A evolução do quadro compromete as habilidades sociais, o que se retrata em comportamentos repetitivos, interesses e atividades restritas. O tratamento para a síndrome consiste, sobretudo, em programas específicos de reabilitação, por meio de fonoaudiologia, psicoterapia e terapia ocupacional, buscando uma melhor interação social das crianças.

Dependendo da intensidade do transtorno, o tratamento é capaz de suavizar o avanço dos sintomas e fazer com que as crianças autistas possam viver melhor em sociedade quando adultas. Assim, quanto mais cedo for realizado o diagnóstico, maiores as chances de que os sintomas não se agravem. O perfil cerebral descoberto no IFF ainda poderia antecipar a detecção do autismo, antes mesmo de os principais sintomas se manifestarem, o que significaria mais eficácia para as terapias.

Os resultados da pesquisa confirmam informações obtidas anteriormente por meio de exames de imagem funcional, como a ressonância magnética. Entretanto, os novos dados podem ser determinantes, pois o custo de aplicação do exame de encefalograma usado por Pontes, cujo valor não ultrapassa R$ 60, é cerca de 10 vezes mais baixo do que o do outro método. Portanto, o futuro diagnóstico, disponível em grande parte dos hospitais públicos, seria acessível a uma parcela maior da população.

No entanto, ainda é necessário repetir o estudo com um número maior de crianças, de ambos os sexos. Além disso, será preciso verificar se as conclusões não coincidem com as obtidas para outras doenças mentais. “Dessa forma, poderemos classificar o que é próprio do autista”, diz Pontes, que pretende desenvolver os novos testes em seu doutorado.

Lia Brum
Ciência Hoje/RJ.

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