Copa do Mundo no Brasil, novas manifestações, eleições. 2014 chega com renovadas esperanças – e muitas indagações. De todo modo, qual é o palco onde se desenrola esse espetáculo?
Mesmo que incerteza, instabilidade e insegurança sejam características contemporâneas – e já façam parte de nossa subjetividade –, a ação coletiva se encena em espaço preciso: a cidade. Isto é, em ambientes que influem sobre o desempenho social, econômico e político do país. Não apenas em episódios agudos, como no caso das manifestações de rua de junho. Mas, sobretudo, na capacidade de estimularem (ou dificultarem) o fluxo de ideias, a liberdade de circulação, a oportunidade de empreender, entre outros, atributos inerentes à vida em cidades.
É evidente o descompasso entre as exigências contemporâneas e as respostas dos governos para as nossas cidades.
Quando os manifestantes de junho pedem serviços públicos padrão Fifa, todos sabemos o que essa síntese quer dizer. Sabemos tão claramente que em poucos dias as mais altas esferas do Estado se mobilizaram para divulgar providências que visariam ao atendimento da demanda. Um pacto presidencial de cinco pontos foi proposto, dos quais dois são vinculáveis à questão urbana: (i) o da mobilidade e (ii) o de anticorrupção em contratos de obras públicas.
Sem desdobramentos
A mobilidade urbana parece ter entrado na pauta da mídia. Mas, passados meses, não se percebem desdobramentos oficiais: continuamos sem programa, sem planejamento e sem projetos.
O pacto anticorrupção em obras públicas vai mal. As leis de contratação de obras estão em reestudo no Congresso. Mas o relatório divulgado em dezembro no Senado é preocupante.
Vejamos: a crítica das ruas foi quanto ao preço exorbitante e sempre crescente que os novos estádios padrão Fifa apresentam. Ocorre que foi uma lei específica para a Copa que permitiu que os estádios pudessem ser contratados sem projeto, a partir apenas de um anteprojeto, deixando-se o poder das definições à empreiteira – o que explica a multiplicação dos custos. E a proposta no Senado é estender essa lei a todas as obras públicas em todo o país.
É da boa prática internacional justamente a separação entre projeto e obra, tanto para garantir a qualidade quanto por razões econômicas e éticas. Ora, ampliar as ‘facilidades’ é abrir caminho para todo tipo de acordo.
O argumento do governo é que os projetos demoram e atrasam os cronogramas. Mas, a falta de projeto é reconhecidamente o mais importante fator de aumento de prazo e de custos em obras – sejam públicas ou privadas. O que falta é capacidade gerencial, administrativa e técnica, pois os governos desarticularam os serviços públicos correspondentes.
Solução travestida
Acaba de ser anunciado que o governo federal utilizará dispositivo da mesma lei da Copa, chamado ‘contratação integrada’, para cumprir seu cronograma de construir 6 mil creches. Deixa-se ao empreiteiro a incumbência de “projetar, construir, fazer os testes e demais operações necessárias e suficientes para a entrega da obra”. Ou seja, é a exacerbação do problema ‘padrão Fifa’ travestido de ‘solução’.
A última novidade (O Globo, 01/01/14) é a ‘central de flagrância’ (assim mesmo). Constituída pela articulação de representações dos governos federal e estaduais, Judiciário e Ministério Público, visa dar pronto-atendimento policial-legal-judicial a eventuais flagrantes de violência em manifestações de rua. Imagina-se que, perto da Copa, as manifestações possam voltar e, portanto, é preciso coibir ações prejudiciais à ordem pública.
Enquanto isso, com vistas às eleições nacionais, o único esboço de programa presidencial até agora anunciado nomeia 12 diretrizes e nenhuma delas trata de cidades – onde vive a quase totalidade dos brasileiros.
O ano promete.
Mas, por ora, feliz 2014!
Sérgio Magalhães
Programa de Pós-graduação em Urbanismo (Prourb)
Faculdade de Arquitetura e Urbanismo
Universidade Federal do Rio de Janeiro
Texto originalmente publicado na CH 311 (janeiro-fevereiro de 2014).