A árvore Senna spectabilis , também conhecida como cássia-do-nordeste, é uma espécie comum no Brasil e a mais nova esperança contra a doença de Alzheimer
(foto: Vanderlan da Silva Bolzani)

Um derivado de uma substância chamada espectalina pode ser a mais nova esperança contra o mal de Alzheimer, doença degenerativa que afeta as células nervosas do cérebro e leva à perda de memória, da coordenação motora e das faculdades mentais. Esse composto atua inibindo a ação da enzima (um tipo de proteína que realiza as reações químicas) acetilcolinesterase, que destrói o neurotransmissor acetilcolina, fundamental para o mecanismo de formação da memória no cérebro.
 
Pesquisadores do Instituto de Química (IQ) da Universidade Estadual Paulista (Unesp), campus de Araraquara, e do Laboratório de Avaliação e Síntese de Substâncias Bioativas (Lasbio), da Universidade Federal do Rio de Janeiro, isolaram a espectalina da árvore Senna spectabilis , também conhecida como cássia-do-nordeste, uma espécie comum no Brasil, especialmente em São Paulo e no Paraná, e que costuma ser confundida com as acácias.
 
Descrita pela primeira vez em 1906 pelo médico alemão Alois Alzheimer (1864-1915), a doença homônima se caracteriza pelo acúmulo de placas e fibras no tecido do cérebro. Embora não se conheça sua causa, sabe-se que a idade é um fator importante ‐ o número de pessoas afetadas dobra a cada cinco anos depois dos 65. Atualmente, estima-se que 1,5 milhão de brasileiros sofram com o mal, que ainda não tem cura, embora haja tratamento. “Com o aumento da longevidade e a diminuição da taxa de mortalidade, o Alzheimer está se tornando mais freqüente, a ponto de ser considerado a doença do século 21”, conta a farmacêutica Vanderlan da Silva Bolzani, coordenadora do estudo e professora do IQ.
Modificações
A espectalina, pertencente a uma classe de moléculas conhecidas como piperidinas, foi identificada durante o Programa Biota, da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), que testava diversas substâncias naturais à procura daquelas com propriedades antitumorais. O composto oriundo da S. spectabilis demonstrou ter fraca atividade nessa área. Entretanto, a equipe continuou pesquisando outros modelos farmacológicos e percebeu a capacidade de inibição da acetilcolinesterase, característica semelhante à dos remédios comerciais para Alzheimer. Esse era um indício promissor e os cientistas se aprofundaram no estudo.
 
A fim de intensificar a propriedade inibitória da espectalina, os pesquisadores fizeram duas modificações em sua estrutura molecular, criando o cloridrato de boc-espectalina. “A idéia foi obter um grau de atividade similar ao da galantamina, o medicamento mais recentemente liberado para o uso no tratamento de Alzheimer”, explica Bolzani. “Esse remédio é caro, e as drogas mais baratas têm problemas de toxicidade”, relata a farmacêutica, que destaca a ausência de um efeito tóxico como mais uma vantagem dos derivados da espectalina.
 
Os testes feitos em ratos e cobaias mostraram um índice de sucesso próximo a 90%, tanto para a atividade anti-Alzheimer quanto para o grau de toxicidade. Os excelentes resultados levaram os pesquisadores a patentear o composto no país e no exterior. No entanto, Bolzani acredita que ainda deva demorar pelo menos 10 anos para que um possível remédio chegue às farmácias. “Ainda temos de procurar uma parceria com a indústria farmacêutica para realizar as fases pré-clínica e clínica, e, se obtivermos sucesso nessas etapas, restam o desenvolvimento e a pesquisa de mercado. Na melhor das hipóteses, eu diria seis anos”, estima.
 
As próximas etapas da pesquisa incluem não só completar a caracterização da espectalina, como também conduzir testes com animais de maior porte. Outro objetivo dos pesquisadores é desenvolver uma metodologia que permita extrair a substância em grande quantidade e aproveitar a elevada concentração do composto em partes específicas da S. spectabilis , promovendo, assim, um extrativismo sustentável.
 

Fred Furtado
Ciência Hoje/RJ

 

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