Os resíduos de equipamentos eletroeletrônicos (lixo eletroeletrônico) são, por definição, produtos que têm componentes elétricos e eletrônicos e que, por razões de obsolescência (perceptiva ou programada) e impossibilidade de conserto, são descartados pelos consumidores. Os exemplos mais comuns são equipamentos de informática e telefonia e televisores, mas a lista inclui eletrodomésticos, equipamentos médicos, sistemas de alarme, automação e controle e até brinquedos.
Obsolescência programada é a decisão intencional de fabricar um produto que se torne obsoleto ou não funcional após certo tempo, para forçar o consumidor a comprar uma nova geração desse produto. Já a obsolescência perceptiva é uma forma de reduzir a vida útil de produtos ainda funcionais. Nesse caso, são lançadas novas gerações com aparência inovadora e pequenas mudanças funcionais, dando à geração em uso aspecto de ultrapassada, o que induz o consumidor à troca.
Isso ocorre no setor da moda, que se modifica para estimular a frequente aquisição de novas peças. O lançamento de novas versões de celulares, aparelhos de som e computadores também é comum – o constante avanço da tecnologia reduz cada vez mais a vida útil dos eletroeletrônicos.
O lixo eletroeletrônico é mais um desafio que se soma aos problemas ambientais da atualidade. O consumidor raramente reflete sobre as consequências do consumo crescente desses produtos, preocupando-se em satisfazer suas necessidades. Afinal, eletroeletrônicos são tidos como sinônimos de melhor qualidade de vida, e a explosão da indústria da informação é uma força motriz da sociedade, oferecendo ferramentas para rápidos avanços na economia e no desenvolvimento social.
O mundo globalizado impõe uma constante busca de informações em tempo real, e a interação com novas tecnologias traz maiores oportunidades e benefícios, segundo estudo da Organização das Nações Unidas (ONU). Tudo isso exerce um fascínio irresistível para os jovens.
Dois aspectos justificam a inclusão dos eletroeletrônicos entre as preocupações da ONU: as vendas crescentes, em especial nos mercados emergentes (inclusive o Brasil), e a presença de metais e substâncias tóxicas em muitos componentes, trazendo risco à saúde e ao meio ambiente. Segundo a ONU, são geradas hoje 150 milhões de toneladas de lixo eletroeletrônico por ano, e esse tipo de resíduo cresce a uma velocidade três a cinco vezes maior que a do lixo urbano.
Da produção ao descarte
O que fazer com eletroeletrônicos antigos? A atualização operacional (upgrade) e a doação a organizações não governamentais para fins de inclusão digital são meritórias, mas apenas adiam o problema: um dia o aparelho antigo vai virar lixo.
Do ponto de vista ambiental, a produção cada vez maior e mais rápida de novos eletroeletrônicos traz dois problemas: o elevado consumo de recursos naturais para sua fabricação e a destinação final inadequada.
Estudo divulgado pela ONU, em 2004, revelou que um computador tradicional, com cerca de 20 kg, incluindo central de processamento e monitor, mouse e teclado, exigia, para ser fabricado, cerca de duas toneladas de insumos (combustível, matéria-prima e, principalmente, água). Ou seja, o produto final equivale a algo como 1% dos insumos. Já para fabricar um carro ou uma geladeira, emprega-se o dobro de sua massa em recursos naturais. Assim, o primeiro grande impacto ambiental do lixo eletroeletrônico não é seu descarte, e sim a extração dos insumos para sua produção.
Os produtos eletroeletrônicos podem conter cerca de 60 elementos químicos, alguns bastante tóxicos, mas também constituem uma fonte de metais preciosos: os teores destes, nos equipamentos, podem ser até 10 vezes superiores aos encontrados nos minerais de onde são extraídos.
A ação de fatores climáticos (calor, frio, chuva, vento) e de microrganismos sobre o lixo eletroeletrônico leva à liberação de elementos e compostos tóxicos nas águas naturais, na atmosfera e no solo. Portanto, o simples descarte no ambiente de um equipamento, ou pedaços não aproveitados na desmontagem, pode causar impactos ambientais futuros. Nos aterros norte-americanos, em torno de 70% dos metais tóxicos vêm do lixo eletroeletrônico (cerca de 40%, no caso do chumbo).
Além disso, descartar esse tipo de lixo é desperdiçar a oportunidade de recuperar partes recicláveis e metais de alto valor agregado, como ouro, prata, cobre etc.
Em aterros sanitários, o lixo eletroeletrônico é fonte de liberação (por reações químicas) de metais tóxicos e de retardantes de chama bromados (compostos que inibem a combustão do material ao qual são acrescentados). Isso foi comprovado em testes de toxicidade feitos com placas de circuito impresso pela Agência de Proteção Ambiental dos Estados Unidos. Os metais tóxicos e os retardantes de chama acumulam-se na cadeia alimentar, causando danos à saúde dos seres vivos atingidos.
Já a queima de eletroeletrônicos libera na atmosfera metais tóxicos (chumbo, cádmio e mercúrio) e outras substâncias nocivas, inclusive cancerígenas (como as dioxinas). Assim, o descarte de eletroeletrônicos no lixo urbano que é incinerado é um grave problema ambiental e de saúde pública.
Júlio Carlos Afonso
Departamento de Química Analítica
Instituto de Química
Universidade Federal do Rio de Janeiro