As fobias específicas caracterizam-se pela presença de medo intenso e em geral irracional, acompanhado por sintomas de ansiedade, como coração acelerado, respiração ofegante, tremores musculares, boca seca, sudorese e ondas de calor e/ou calafrios, entre outros. Esses sintomas ocorrem na presença ou na antecipação de uma situação ou objeto específico, do qual geralmente a pessoa tenta se esquivar. Se não há possibilidade de esquiva ou fuga, ela experimenta alto grau de desconforto e pode chegar a um ataque de pânico.
Na prática, essas reações restringem e prejudicam substancialmente a vida de quem sofre de uma ou mais fobias. Podemos citar exemplos bem comuns, que grande parte das pessoas conhece. O que faz uma pessoa com fobia de elevadores? Evita usar essa opção para chegar ao andar desejado e, se não tem escolha, sente extremo desconforto na curta viagem. Quem tem medo de cães segue a mesma lógica, e evita situações em que pode encontrar um desses animais, às vezes perdendo eventos sociais importantes e momentos de lazer.
Com o medo de dirigir, acontece o mesmo: a pessoa evita situações que exijam esse comportamento, resignando-se a participar daquelas em que pode obter carona ou usar outro meio de transporte. Quando não há alternativa e a pessoa tem que dirigir, experimenta sintomas de ansiedade que incomodam bastante e que podem até prejudicar seu desempenho e aumentar ainda mais o medo desse tipo de situação.
Medo ao volante
Dirigir é um comportamento corriqueiro, realizado por muitas pessoas e de grande importância na vida moderna. Por ser algo tão comum, não conseguir guiar um veículo pode se tornar um grande problema, restringindo a locomoção, criando dificuldades no trabalho e embaraço em situações sociais. Pessoas com dificuldade de dirigir podem desenvolver crenças de fracasso e de ser ‘um peso’ na vida dos outros.
Embora algumas pessoas consigam lidar com o medo de dirigir sem grandes prejuízos, em outras a ansiedade pode chegar a intensidades maiores, prejudicando bastante sua qualidade de vida. Estima-se que entre 7% e 8% da população geral mundial apresentem essa fobia, que afeta mais as mulheres que os homens – em alguns estudos, no total de afetados, a proporção de mulheres pode chegar a 92%.
Os estudos iniciais sobre o medo de dirigir tiveram como foco as consequências psicológicas em vítimas de acidentes de trânsito, mas dados mais atuais indicam que o problema independe de experiência prévia com algum episódio traumático. Quanto ao foco do temor, um grupo de pesquisadores neozelandeses sugere a existência de subtipos de medo de dirigir. O primeiro subtipo está associado a preocupações quanto a sofrer acidentes e/ou ferir a si ou a terceiros. O segundo é referente a preocupações sobre os sintomas de ansiedade e os efeitos destes durante a prática da direção. O terceiro diz respeito a situações específicas, como certas manobras ou condições climáticas peculiares. Há ainda o subtipo que envolve o temor de avaliações negativas e outras questões sociais, como atrapalhar o trânsito.
Os mesmos pesquisadores apontam que, assim como os que têm outras fobias, indivíduos com medo de dirigir geralmente não buscam auxílio profissional para superar o problema. Outro achado foi a elevada proporção de pessoas com medo de dirigir que também apresentam pelo menos outro transtorno de ansiedade.
Existem no Brasil diversos centros de treinamento de condutores de veículos especializados em pessoas com medo de dirigir. A grande oferta desse tipo de serviço pode refletir uma alta demanda no país, ou seja, um número elevado de pessoas que apresentam esse medo. Mas quem são essas pessoas?
Um estudo brasileiro, abrangendo 93 pessoas que procuraram ajuda e que não dirigiram após a obtenção da Carteira Nacional de Habilitação (CNH), detectou um perfil médio para quem tem medo de dirigir: são em geral mulheres casadas, com nível superior, entre 21 e 45 anos e que exercem atividade remunerada. Muitas têm veículo próprio ou um carro à disposição.
Habilidade x medo
É muito comum as pessoas com essa fobia julgarem que sua habilidade para conduzir veículos é insuficiente. De fato, a ansiedade influencia as habilidades na direção. Estudo com 50 pessoas com medo de dirigir e 50 sem esse medo, realizado pelos psicólogos neozelandeses Joanne Taylor, Frank Deane e John Podd, revelou que motoristas ansiosos cometem mais erros na direção que aqueles sem medo.
Na amostra brasileira de 93 pessoas que não dirigiram após obter a CNH, 73% relataram que, para assumir o volante de um carro, precisariam reaprender todos os comandos. Além disso, 91,4% delas julgavam não ter boa noção de espaço, e cerca de 90% acreditavam não saber estacionar, não conseguir dirigir em tráfego intenso e não saber dirigir sozinhas. Vale ressaltar que 35% dessas pessoas tinham a carteira de motorista há menos de cinco anos.
O julgamento e o rendimento negativo ocorrem porque dirigir não é tão simples: envolve a coordenação combinada de membros superiores e inferiores e o gerenciamento de funções cognitivas frontais, como atenção dividida e memória de trabalho. Além disso, envolve funções executivas, como planejamento e controle da inibição. Adquirir todas essas funções exige um processo inicial de aprendizado do sequenciamento das tarefas, com a recordação de um passo a passo e a execução repetida do mesmo para fixar aos poucos as habilidades.
No início do processo de aprendizagem do comportamento de dirigir, o indivíduo recebe informações verbais, que ensinam a sequência de acionamento dos pedais necessária para o funcionamento do carro, as trocas de marchas e aspectos básicos do controle do volante e do painel do veículo. Essa é a parte da memória semântica, que envolve a atenção concentrada e as memórias de curta e longa duração para o registro da informação. Nesse momento, estão ativas no cérebro estruturas de aquisição e gerenciamento da informação mnemônica, como o córtex frontal e pré-frontal (atenção e memória de trabalho), e o hipocampo, no córtex temporal.
Em pessoas com medo de dirigir, esse momento de aquisição da informação pode ser perturbado tanto pela ansiedade, que altera a atenção e gera hipervigilância (excesso de atenção quanto a possíveis erros ou perigos), quanto pela necessidade de hiperfoco (excesso de concentração) na execução de alguns movimentos específicos, o que reduz a atenção dada à explicação dos comandos pelo instrutor. Essa desatenção prejudica a aprendizagem e faz com que muitas pessoas errem etapas simples das quais são constantemente informadas no processo de treinamento.
Jessye Almeida Cantini
Adriana Cardoso Silva
Instituto de Psiquiatria
Universidade Federal do Rio de Janeiro
Isabelly
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