O neurocientista Iván Izquierdo se lembra com precisão do momento em que começou a trabalhar com o fisiologista argentino Bernardo Houssay (1887-1971), Nobel de Medicina em 1947. Foi às sete e meia da manhã do dia 2 de janeiro de 1957. Após 55 anos, Izquierdo não esqueceu esse fato porque foi algo crucial em sua vida: começava naquele instante sua carreira de pesquisador. O jovem estudante nem podia imaginar que mais tarde se tornaria uma das maiores autoridades mundiais na área de biologia da memória.
Nascido no bairro de Constitución, em Buenos Aires, no dia 16 de setembro de 1937, seu objetivo inicial era ser médico. Influenciado por uma geração de grandes pesquisadores argentinos que incluía, além de Houssay, nomes como Luis Federico Leloir (1906-1987) – Nobel de Química em 1970 – e César Milstein (1927-2002) – Nobel de Medicina em 1984 –, Izquierdo decidiu se tornar cientista.
Quis investigar os mecanismos de formação, evocação, persistência e extinção de memórias por influência também de outro ídolo: o escritor argentino Jorge Luis Borges (1899-1986), que chamou sua atenção para o tema em narrativas fantásticas, como a do personagem que se lembrava de tudo.
Após graduar-se em medicina, em 1961, tornou-se professor das universidades de Buenos Aires e Córdoba. Nesta última fundou o Departamento de Farmacologia, que por muitos anos foi considerado o melhor da Argentina. Em 1962, casou-se com a brasileira Ivone Moraes, com quem se mudou para Porto Alegre em 1973.
No Brasil, trabalhou pouco tempo no Instituto de Biociências da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), onde, segundo ele, o ambiente de pesquisa era bastante tímido. Por isso não hesitou em aceitar um convite para trabalhar na Escola Paulista de Medicina, em 1975, não sem antes assumir o compromisso de retornar à universidade gaúcha.
De volta em 1978 à UFRGS, ajudou a criar o programa de pós-graduação em bioquímica e a formar um grupo que se tornou referência mundial em pesquisas sobre memória. Em 2004, após se aposentar, transferiu-se para a Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC-RS). “A possibilidade de criar uma coisa nova era irrecusável”, diz Izquierdo, que lá fundou o Centro de Memória, do qual é coordenador até hoje. “Criar algo naquela altura da vida era um grande estímulo.”
Em busca de novas experiências, começou, já depois dos 50 anos, a fazer literatura. Nos livros de ensaios e contos que publicou, revela um pouco de sua vida. Também canta, junto com a esposa, em rodas de amigos. E lê – muito. Sabe que o melhor exercício para a memória é a leitura.
Apesar do forte sotaque com que fala, não se considera estrangeiro. É cidadão brasileiro desde 1981, quando se naturalizou. Mais que isso: é o cientista brasileiro mais citado do mundo. Conforme registro no banco de dados Web of Science, que contabiliza referências de artigos acadêmicos desde 1945, Izquierdo já recebeu mais de 13,8 mil citações ao longo da carreira. “Isso indica que estou fazendo alguma coisa útil”, avalia.
Às vésperas de completar 75 anos, o mestre, como é chamado pelos colaboradores na PUC-RS, não chega mais às seis e meia da manhã ao laboratório, como no passado, mas vai à universidade diariamente. Pai de dois filhos e avô de quatro netos, não planeja parar de trabalhar. “Sei que um dia não será mais possível. Mas, se tivesse que parar agora, não saberia o que fazer.” Em uma conversa descontraída com Ciência Hoje, ele conta um pouco das memórias que é capaz de evocar.
Jociane Myskiw
Centro de Memória/ PUCRS
Célio Yano
Ciência Hoje/ PR