Acima, à direita, municípios gaúchos onde foram encontrados fósseis de diferentes espécies de morcegos. À esquerda, mandíbula de Eptesicus fuscus coletada em Santo Antônio da Patrulha: a espécie não vive mais no Rio Grande do Sul. (Mapa: Setor de Geoprocessamento (FZB/RS) / Foto: Patrícia Hadler Rodrigues).

Em meados da década de 1970 e, mais recentemente, em 2001, foram escavados dois sítios paleontológicos nos municípios gaúchos de Montenegro e Santo Antônio da Patrulha, respectivamente. Alguns achados desses sítios ficaram sob a guarda do Museu Arqueológico do Estado e do Centro de Ensino e Pesquisas Arqueológicas da Universidade de Santa Cruz do Sul (RS), e até então se acreditava que fossem restos fossilizados de marsupiais, roedores e pequenos mamíferos. No entanto, quando começaram a ser estudados, há pouco mais de um ano, revelaram-se uma descoberta importante para a paleontologia da região: eram, na verdade, o primeiro registro fóssil de morcegos em território gaúcho. No Brasil, apenas quatro estados (São Paulo, Minas Gerais, Goiás e Bahia) já tinham feito esse registro. A descoberta foi comunicada à comunidade científica durante o 2 o Congresso Latino-americano de Paleontologia de Vertebrados, realizado no Rio de Janeiro em 2005.

O estudo desses achados, que faz parte da tese de doutorado desenvolvida por Patrícia Hadler Rodrigues na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), concluiu que os 16 fósseis encontrados nos dois sítios pertencem a oito espécies de quirópteros que viveram no Holoceno, época mais recente da escala geológica, que se estende de 10 mil anos atrás até os tempos atuais. A idade dos fósseis varia de 9.400 a 7.300 anos, para os encontrados em Montenegro, e de 8.800 a 3.700 anos, para os de Santo Antônio da Patrulha.

Embora entre os achados não figurassem esqueletos completos, os fragmentos de mandíbulas e maxilares encontrados estavam bem conservados, o que viabilizou o trabalho realizado pela pesquisadora de fazer uma comparação morfológica entre os restos desenterrados e o esqueleto de morcegos atuais. “O bom estado de conservação dos fósseis se deve ao fato de terem sido encontrados em abrigos sob rochas, ambientes que permitem boa sedimentação e, conseqüentemente, preservação de restos ósseos”, explicou Hadler, que também atua no Museu de Ciências Naturais da Fundação Zoobotânica do Rio Grande do Sul. Nos mesmos sítios onde foram encontrados os fósseis de morcegos, já haviam sido coletados restos arqueológicos (pontas de flechas, cerâmicas, peças feitas de conchas etc.) de antigas tribos indígenas, igualmente bem conservados.

Desenhos e fotos de espécies de morcegos encontradas em sítios paleontológicos de Montenegro e Santo Antônio da Patrulha (RS): Eptesicus brasiliensis (A), Chrotopterus auritus (B), Molossus molossus (C), Tadarida brasiliensis (D). (Desenhos: extraídos de Redford & Eisenberg (1992) / Fotos: extraídas de Silva (1994))

Das espécies identificadas no achado paleontológico sul-rio-grandense, nenhuma se extinguiu. Sete ainda habitam o Rio Grande do Sul, e fósseis de todas elas já haviam sido encontrados nos demais estados que compõem o mapa paleontológico da ordem Chiroptera (a que pertencem os morcegos) no Brasil. Mas uma das espécies identificadas chama a atenção por ser mais uma prova de alterações pelas quais o planeta vem passando. Eptesicus fuscus , que também teve fósseis identificados na Bahia, não figura mais na fauna de nenhum dos dois estados. A espécie, que se distribuía por uma ampla faixa da América do Sul há menos de 20 mil anos, hoje se restringe a uma área que vai do norte da Amazônia ao sul do Canadá. “Ainda não conhecemos o motivo dessa restrição, mas provavelmente ela se deve a alterações climáticas”, calcula a paleontóloga.

Na América do Sul, o registro de fósseis da ordem Chiroptera mais antigo de que se tem notícia ocorreu na Argentina, onde foi encontrado material fossilizado de morcegos que viveram no Eoceno (época que vai de 55 a 33 milhões de anos atrás). No Brasil, o mais antigo fóssil de morcego que se conhece – da espécie Mormopterus faustoi – foi encontrado no interior do estado de São Paulo. O animal, segundo se supõe, viveu entre 29 e 23 milhões de anos atrás.

Sandoval Matheus Poletto
Especial para Ciência Hoje/PR

 

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