Maior zona úmida continental do planeta, o Pantanal Mato-grossense está sujeito a um regime de cheias e estiagens ao longo do ano. A planície pantaneira, embora um dos principais centros de diversidade de plantas aquáticas do Brasil, não é um mar de rosas para essas plantas, que tiveram de desenvolver mecanismos para enfrentar os estressantes períodos de seca e inundação, como mudanças de forma, sincronização de seu ciclo de vida com o ciclo das águas e desenvolvimento de diferentes meios de propagação.

Com uma área de aproximadamente 150 mil km 2 , o Pantanal Mato-grossense é uma planície de inundação periódica, e seus ciclos anuais e plurianuais de secas e cheias são o mais importante fenômeno hídrico da região. Tais fenômenos se devem ao padrão das chuvas, que se concentram no verão, e à dificuldade de escoamento da água dos rios em razão do discreto gradiente topográfico da planície pantaneira, que apresenta declive de 3 cm a 5 cm por km, no sentido leste-oeste, e de 1 cm a 30 cm por km, no sentido norte-sul. Em fevereiro e março, o Pantanal é inundado por águas provenientes dos rios do sul, como o Miranda, Aquidauana, Negro e Taquari. Em abril e maio, a cheia é causada por águas do alto rio Paraguai e seus afluentes. Esse ciclo torna o Pantanal um sistema absolutamente singular, a cujas alterações os seres vivos tiveram de se adaptar.

A planta aquática chapéu-de-couro-folha-fina (Echinodorus paniculatus) pode atingir 1,8 m de altura e tem forma de roseta. Seu pecíolo (‘cabinho’ das folhas) é mais comprido que a lâmina foliar (foto: Ana Carolina Neves).

Para as plantas aquáticas, o Pantanal oferece grande diversidade de hábitats, como rios, brejos, campos inundáveis, canais, lagoas de meandro, lagoas permanentes e temporárias, vazantes e corpos d’água artificiais. Tudo isso, somado às variações anuais de níveis d’água, temperatura e umidade do ar, faz do Pantanal um dos principais centros de diversidade de macrófitas aquáticas no Brasil, onde crescem plantas com diferentes formas de vida: submersas ou flutuantes, livres ou enraizadas no fundo dos corpos d’água, emergentes (enraizadas, parcialmente submersas e parcialmente fora d’água), anfíbias (que vivem em áreas alagadas e secas) e epífitas (que crescem sobre outras plantas aquáticas).

Apesar disso, o Pantanal não é um ambiente de calmaria para essas plantas, que sofrem restrições drásticas impostas pelo ciclo de cheias e secas. As espécies submersas e flutuantes fixas, por exemplo, morrem na seca ou enfrentam esse período adormecidas, na forma de órgãos subterrâneos. Outras, antes de morrer, investem na formação de sementes, que irão germinar com as chuvas do ano seguinte.

As espécies flutuantes livres, que se movem na superfície da água, competem com plantas que se aglomeram em áreas remanescentes dos espelhos d’água, na seca, e morrem depois de produzir sementes ou esporos resistentes à desidratação. O que acontece com as plantas emergentes, que, enraizadas, não podem se mover em busca de condições de sobrevivência adequadas? Toleram o estresse imposto pelo regime de cheias e secas? Seu ciclo de vida se ajusta ao pulso das inundações? Foi o que tentamos entender durante a realização de nossa dissertação, observando as respostas de uma espécie emergente ao ciclo das águas no Pantanal.

Chapéu-de-couro
A planta estudada, popularmente conhecida como chapéu-de-couro-folha-fina (Echinodorus paniculatus), é uma espécie muito usada em piscicultura ornamental. Embora seja uma planta aquática comum nas sub-regiões pantaneiras de Miranda e Abobral, onde trabalhamos, pode estar extinta em São Paulo, já que as últimas coletas feitas no estado datam do início do século 20.

Várias características da espécie ajudam a compreender as reações da vegetação aquática do Pantanal ao regime de cheias e secas. E. paniculatus ocorre em áreas sujeitas a estiagens e inundações, pode mudar de forma nas duas condições e emprega diferentes meios de propagação para enfrentar variações ambientais. Pode reproduzir-se sexuadamente, por meio de sementes, e propagar-se assexuadamente, por brotamento de um caule subterrâneo (rizoma) ou por brotamento em estruturas reprodutivas como inflorescências e infrutescências. Essa última estratégia denomina-se pseudoviviparidade. 

Ana Carolina Neves
Programa de Ecologia e Conservação
Universidade Federal de Mato Grosso do Sul
Flavio Antonio Maës dos Santos
Instituto de Biologia
Universidade Estadual de Campinas 

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