Reconstrução do Carodnia , um dos mamíferos herbívoros do Paleoceno encontrados em Itaboraí, que ajudou a entender a evolução das formas de esmalte dental. (Foto: Lílian P. Bergqvist)

Animais que viveram há cerca de 60 milhões de anos foram ao dentista pela primeira vez e, dessa ‘visita’, resultou a descoberta de que dentes mais resistentes aparecem na história evolutiva antes do esperado. A partir de uma colaboração entre pesquisadores de áreas aparentemente distantes – a ortodontia e a paleontologia –, a pesquisa revelou que os mamíferos herbívoros do Paleoceno, época em que estes animais se diversificaram, apresentavam esmalte dental com bandas verticais, o que lhes proporcionava maior proteção contra a abrasão provocada pela mastigação.

Sérgio Peres Line, dentista autor da pesquisa e professor da Faculdade de Odontologia de Piracicaba e da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), estudou os dentes encontrados em São José de Itaboraí (RJ), através de um método em que um feixe de luz incide lateralmente na estrutura, permitindo analisar a orientação dos cristais do esmalte dental sem quebrá-lo. “O método comumente usado quebra o dente para a confecção de lâminas contendo pequenas fatias do material”, explica o pesquisador.

Três das 13 espécies estudadas apresentaram as bandas do esmalte dental dispostas verticalmente. Esse esmalte é composto por minerais como a hidroxiapatita, que se organiza em estruturas semelhantes a bastões. Lílian Paglarelli Bergqvist, geocientista da Universidade Federal do Rio de Janeiro e parceira do projeto, conta que as espécies que tinham o esmalte dental com bandas verticais eram animais maiores e herbívoros, que apresentavam mastigação transversal (com a mandíbula se movimentando tanto para os lados como para frente e para trás). “Analisamos também um animal grande, porém onívoro, e os dentes dele tinham bandas horizontais, características de animais com mastigação vertical, ou seja, com a mandíbula se deslocando apenas para cima e para baixo”, conta Bergqvist.

Os pesquisadores acreditam que as bandas verticais ajudaram esses mamíferos herbívoros a prevenir o desgaste do dente provocado pela mastigação de estruturas rígidas presentes nas plantas, como a sílica. “Além disso, esses eram animais com tempo de vida mais longo e que, portanto, precisariam de seus dentes por mais tempo”, completa Line.

O padrão de bandas de esmalte dental verticais não é comum atualmente, sendo encontrado apenas nos rinocerontes (herbívoros de grande porte ameaçados de extinção), e acreditava-se que este era um padrão derivado, ou seja, que aparecia apenas na história evolutiva mais recente. No entanto, a pesquisa aponta para outra direção, já que foram encontrados animais do Paleoceno com essas características.

Durante o trabalho com os fósseis, Line percebeu que as marcas do esmalte eram parecidas com impressões digitais e, a partir daí, desenvolveu o que chamou de impressão dental (ver ‘Esmalte dentário para identificação humana’ em CH n. o 231). A técnica é aplicada a seres humanos e permite conhecer a identidade de uma pessoa através das marcas das bandas do esmalte dental. “Cada pessoa tem um padrão diferente para essas marcas”, explica o pesquisador, que já patenteou o novo método.

Mariana Ferraz
Ciência Hoje/RJ

 

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