No meio da floresta, exploradores de diferentes áreas participam de uma expedição científica. Um deles, munido de papéis e tintas, registra novas espécies de plantas ou animais. Essa cena, que poderia ter acontecido no século 18, ainda se repete em nossos dias. As pinturas de um dos expoentes da área hoje no Brasil podem ser conferidas no livro Plantas brasileiras – A ilustração botânica de Dulce Nascimento (editora Batel), que traz um resumo da trajetória dessa ilustradora.

“Muitos pesquisadores precisam de uma imagem para apoiar seu trabalho. É aí que entra a ilustração científica, que abrange várias áreas, como medicina, arqueologia, zoologia e, no meu caso, a botânica”, resume Nascimento. Ela iniciou sua trajetória quando cursava composição paisagística na Escola de Belas Artes (EBA) da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).

“Foi em 1981. Eu nem sabia da existência dessa atividade até que fui chamada para um estágio na Fundação Estadual de Engenharia do Meio Ambiente do Rio de Janeiro (Feema). Minha tarefa era desenhar as espécies do herbário, sob a supervisão da professora Vania Aida Viana de Paula. Nunca mais abandonei esse mundo”, conta.

Desenhos de plantas raras
À esquerda, a orquídea ‘Cycnoches pentadactylum’, que ocorre no Tocantins. As flores dessa espécie caem com muita facilidade, o que dificultou a tarefa da ilustradora, que teve de registrar a planta enquanto as flores iam despencando à sua frente. Posteriormente, a pintura foi adquirida pelo então presidente Fernando Henrique Cardoso, que a ofereceu como presente de Estado aos reis da Espanha. À direita, a bromélia ‘Aechmea mertensii’, encontrada no Pará. (ilustrações: Dulce Nascimento)

Pode parecer estranho que, numa era com tantos recursos tecnológicos, o desenho não tenha ficado obsoleto. “A fotografia digital dá um apoio muito bom, mas nem sempre esclarece tudo sobre a planta”, explica a ilustradora. “Às vezes, a foto perde foco em alguma região, a luz não é homogênea ou o fundo polui a imagem. No desenho, o trabalho fica limpo, deixando apenas aquilo que define a espécie.”

Para isso, além da precisão do desenhista, é necessário que haja um cientista orientando o trabalho. Nascimento observa que algumas partes das plantas, como as glândulas, por exemplo, precisam ser desenhadas em uma escala maior para permitir identificação posterior.

“Procuro mostrar aos alunos o valor de documento desse trabalho. Daqui a 50 ou 100 anos, a espécie poderá não existir mais e o cientista só vai ter aquele desenho e um texto para se informar”

Durante o trabalho de campo, a agilidade é fundamental. Como os exploradores têm que terminar todas as atividades durante o dia, o tempo é muito contado. Por essa razão, não é possível fazer o desenho completo na floresta. “Temos que começar a voltar, digamos, às 15 horas, porque não se pode correr o risco de enfrentar escuridão na mata. É preciso desenhar a estrutura da planta, porque ela murcha depois de coletada, definir as cores na aquarela e anotá-las”, relata Nascimento. O resto do trabalho pode ser feito no acampamento, com uma amostra da espécie.

Além de acompanhar expedições, a ilustradora também dá aulas. “Procuro mostrar aos alunos o valor de documento desse trabalho. As ilustrações podem dirigir ou desviar uma pesquisa. Daqui a 50 ou 100 anos, a espécie poderá não existir mais e o cientista só vai ter aquele desenho e um texto para se informar. É uma grande responsabilidade.”

Yuri Hutflesz
Ciência Hoje/ RJ

Texto originalmente publicado na CH 294 (julho de 2012).

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