Retrato do universo quando jovem – parte 2

A sonda WMAP produziu um novo e mais detalhado mapa do universo há 13,7 bilhões de anos. A cor vermelha indica as áreas ‘mais quentes’; a azul, as mais frias. As barras brancas representam a direção de polarização da luz nos primórdios do universo. Essa informação ajudou a determinar quando as primeiras estrelas se formaram, além de fornecer novas evidências sobre eventos que teriam ocorrido no primeiro trilionésimo de segundo de vida do universo (imagem: Nasa / WMAP Science Team).

Novos dados da Sonda Wilkinson de Anisotropia em Microondas (mais conhecida por sua sigla inglesa WMAP) permitiram estimar com mais precisão a época em que as primeiras estrelas se formaram. Além disso, deram mais vigor à teoria segundo a qual o universo sofreu uma expansão violentíssima nos primeiros instantes de vida. Por outro lado, alguns mistérios cosmológicos foram confirmados pelos novos dados. Os resultados estão previstos para sair em The Astrophysical Journal .

Nos aparelhos antigos de TV, quando o canal não estava bem sintonizado, via-se um chuvisco e ouvia-se um chiado. O curioso é saber que uma fração desse sinal é proveniente das regiões mais longínquas do universo. Essa radiação é um resquício de uma época em que o universo era muito denso e quente. Ela é, de certa forma, um retrato do universo há 13,7 bilhões de anos.

A chamada radiação cósmica de fundo (RCF) foi descoberta por acidente em 1964, quando Arno Penzias e Robert Wilson, pesquisadores dos Laboratórios Bell (Estados Unidos), verificaram que havia um ruído, que eles não conseguiam eliminar, de uma antena com a que trabalhavam. Observaram que esse ‘sinal intruso’ vinha de todas as direções do céu e tinha a mesma intensidade.

Imediatamente, colegas da vizinha Universidade Princeton, Robert Dicke (1916-1997), James Peebles, Peter Roll e David Wilkinson (1935-2002), que desenvolviam experimentos para tentar medir a RCF, perceberam que Penzias e Wilson tinham, na verdade, descoberto a própria RCF. Em 1948, o físico russo George Gamow (1904-1968) havia previsto que, se o universo tivesse realmente passado por uma fase extremamente densa e quente, conforme previa o modelo conhecido atualmente por Big Bang, então ele deveria estar banhado por uma radiação uniforme.

A descoberta da RCF deu a Penzias e a Wilson o Nobel de Física de 1978, mas o prêmio nunca chegou para Wilkinson, Peebles, Dicke e, sobretudo, Gamow. Wilkinson continuou por toda sua vida trabalhando em experimentos para estudar a RCF e foi chefe de uma sonda espacial, a MAP (sigla, em inglês, para Sonda de Anisotropia em Microondas), desenhada especificamente para pesquisar essa radiação. Infelizmente, morreu antes de ver os primeiros resultados desse projeto, lançado em 2001, que acabou sendo rebatizado WMAP após sua morte (sendo o ‘W’ uma justa homenagem a ele).

Mas o que haveria de tão motivador no estudo de algo descoberto há três décadas? A motivação vem justamente das chamadas flutuações da RCF. Se essa radiação fosse perfeitamente uniforme, isso significaria que o universo foi perfeitamente homogêneo. Mas, se isso tivesse ocorrido, surge, então, a seguinte dúvida: como a matéria, em um cenário de tamanha homogeneidade, teria se aglutinado gravitacionalmente para formar as estrelas, galáxias e todas as estruturas que observamos?

A resposta está exatamente nas diminutas ‘imperfeições’ presentes na RCF (dito de modo mais técnico, nas pequenas variações de temperatura dessa radiação). Essas flutuações de temperatura são reflexo da presença de regiões levemente mais densas ou levemente menos densas nos primórdios do universo.

Foram essas pequenas diferenças de densidade nos primórdios de um universo quase perfeitamente homogêneo que permitiram que a matéria, por atração gravitacional, se aglutinasse, dando assim origem às primeiras estruturas cósmicas.

Portanto, observar as flutuações de temperatura na RCF é ter uma espécie de retrato de como era o universo em sua infância, mais especificamente quando ele tinha cerca de 380 mil anos de vida, época em que a RCF passou a se deslocar livremente pelo espaço. Além disso, esse tipo de informação nos ajuda a entender, de modo indireto, como foi a evolução do universo desde frações de segundo após o Big Bang até nossos dias.

Martin Makler
Coordenação de Cosmologia, Relatividade e Astrofísica,
Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas (RJ).

 

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