Em 1928, ao publicar A neurastenia sexual e seu tratamento, o neurologista Antônio Austregésilo Rodrigues de Lima (1876-1960), professor da Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro, dizia ter escrito o livro devido ao “crescido número de consulentes nervosos, atacados de neurastenia sexual”, que vinha tratando em seu consultório.

De fato, alguma coisa parecia estar acontecendo com a ‘libido nacional’. Nos anos seguintes, a capital da República iria assistir à realização de cursos populares sobre sexologia e a comemorações especiais (como o ‘Dia do Sexo’), além de ouvir programas de rádio sobre sexo e acompanhar nos jornais diários notícias sobre campanhas de educação sexual.

Alguma coisa parecia estar acontecendo com a ‘libido nacional’

No início dos anos 1930, a questão da sexualidade estava em evidência no Brasil, em especial no Rio de Janeiro. O tema tornou-se tão popular que, no carnaval de 1935, o tradicional clube carnavalesco Fenianos levou às ruas um carro alegórico chamado ‘A educação sexual’.

Os primeiros sexólogos e psicanalistas logo abririam consultórios, partilhando a clientela que Antônio Austregésilo dizia ser tão numerosa e carente. No Rio de Janeiro da primeira metade do século 20, a nascente sexologia era representada por dois médicos: o gaúcho Hernani de Irajá (1895-1969) e o carioca José de Oliveira Pereira de Albuquerque (1904-1984).

Irajá cursou a faculdade de medicina em Porto Alegre, transferindo-se para o Rio de Janeiro, onde ficou conhecido por extensa produção técnica e literária e por seu talento como pintor. Considerado à época um artista ‘moderno’, especializou-se em nus femininos, participando de inúmeros salões e exposições. Mantinha ainda um consultório para consultas sexológicas que era divulgado em suas publicações.

Albuquerque formou-se em medicina no Rio de Janeiro e, ao longo dos anos 1930, notabilizou-se por lutar em prol da educação sexual e da institucionalização da andrologia, nova ciência que deveria dedicar-se ao estudo dos problemas sexuais do homem. Fundou dois periódicos especializados: o Jornal de Andrologia (1932-1938) e o Boletim de Educação Sexual (1933-1939), órgãos oficiais de duas instituições também criadas por ele: o Círculo Brasileiro de Educação Sexual e o Centro Coordenador de Estudos em Andrologia.

Livros de Hernani de Irajá
O médico gaúcho Hernani de Irajá, um dos representantes da sexologia no Rio de Janeiro da primeira metade do século 20, ficou conhecido por sua extensa produção técnica e literária. (montagem: Marcelo Garcia)

Entre 1936 e 1938, Albuquerque foi professor da primeira (e ao que parece única) cátedra de clínica andrológica que existiu em uma universidade brasileira – a Universidade do Distrito Federal. Em 1937, candidatou-se a deputado federal com uma “plataforma sexológica”. Manteve um consultório especializado no diagnóstico e tratamento da impotência, e lançou no mercado o Venereol, preventivo para as chamadas doenças venéreas.

Pioneiros da psicanálise

É importante lembrar que Albuquerque e Irajá nunca pertenceram a quaisquer das prestigiosas academias ou sociedades médicas do país. Diferentemente da sexologia, a psicanálise, doutrina fundada pelo médico austríaco Sigmund Freud (1856-1939), para quem a ‘energia sexual’ tinha importância crucial, difundia-se entre intelectuais e artistas, e também entre notáveis integrantes da elite psiquiátrica do período.

Dois dos psiquiatras brasileiros mais eminentes do início do século – no Rio de Janeiro, Juliano Moreira (1873-1932), e em São Paulo, Francisco Franco da Rocha (1864-1933) – participaram da fundação da primeira Sociedade de Psicanálise Brasileira, em 1927. Além desses, outros psiquiatras de renome se interessaram, utilizando a teoria psicanalítica em trabalhos e conferências.

Entre os primeiros profissionais da psicanálise no país, dois merecem atenção especial: Júlio Pires Porto-Carrero (1887-1937) e Gastão Pereira da Silva (1897-1987). Ambos intitulavam-se psicanalistas e foram os maiores divulgadores da doutrina freudiana no Rio de Janeiro.

Porto-Carrero via a teoria psicanalítica como poderoso instrumento para a educação sexual. Já Pereira da Silva foi um dos mais prolixos divulgadores da psicanálise

Porto-Carrero foi catedrático de Medicina Legal na Faculdade Livre de Direito do Rio de Janeiro. Teve papel bastante ativo nas instituições fundadas no decorrer da Primeira República, como a Associação Brasileira de Educação e a Liga Brasileira de Higiene Mental. Publicou nove livros sobre psicanálise e fez diversas conferências de divulgação da nova doutrina, além de palestras radiofônicas de caráter educativo. Via a teoria psicanalítica como poderoso instrumento para a educação sexual, interesse que compartilhava com José de Albuquerque, a quem apoiava.

Já Pereira da Silva foi um dos mais prolixos divulgadores da psicanálise. Entre 1930 e 1956, escreveu 16 livros sobre o tema, além de romances, biografias, peças de teatro e novelas de rádio. Ao contrário do que aconteceu com Porto-Carrero, Pereira da Silva não obteve prestígio acadêmico ou político. Médico do interior, ele veio para o Rio de Janeiro no final dos anos 1920 e já em 1931 iniciou sua bem-sucedida trajetória como autor psicanalítico, publicando Para compreender Freud. Além dos livros, manteve intensa atividade na imprensa escrita, criando a partir de 1934 as colunas ‘Psicanálise dos sonhos’ (na revista Carioca), ‘Página das mães’ (na revista Vamos Ler) e ‘Confidências’ (na revista Seleções Sexuais).

Manteve por três anos, na Rádio Nacional, o programa ‘No mundo dos sonhos’, no qual “radiofonizava os sonhos [enviados pelos ouvintes], como se fossem histórias curtas, em sketchs, interpretadas pelo cast do radio teatro daquela emissora”. No mesmo período começou a escrever radionovelas de cunho psicanalítico, e pelo menos 44 histórias de sua autoria foram transmitidas. Criou um curso de psicanálise por correspondência e, ainda nos anos 1930, iniciou sua prática clínica como psicanalista, mantida até os anos 1980, embora nunca tenha ingressado em uma das sociedades de formação ‘oficiais’ fundadas posteriormente.

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Jane Russo
Sérgio Carrara
Instituto de Medicina Social,
Universidade do Estado do Rio de Janeiro

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