(Arte: Tim Fonseca)
Um robô de feições humanas acaba de entrar em uma mina para resgatar um trabalhador soterrado. A estrutura da construção está instável, e as vigas de sustentação ameaçam desabar. Apenas um caminho leva à vítima, e o restante das galerias forma becos sem saída. Da superfície, parentes aflitos acompanham tudo através de um monitor.
É o primeiro teste prático do software que dá autonomia de navegação ao robô – daí também a tensão entre os engenheiros de computação que desenvolveram o programa. Horas depois de iniciado o resgate, o humanóide retorna à superfície com o trabalhador a salvo em seus braços. Delírio geral entre os presentes.
O cenário e os acontecimentos descritos acima são fictícios, mas o software que guiou o robô através da intricada rede de túneis já é realidade neste início de século e tem como base um mecanismo inusitado da natureza: o sistema imunológico, responsável por defender o organismo de agentes causadores de doenças.
Embora muitas possibilidades de aplicação ainda nem tenham sido exploradas, os chamados sistemas imunológicos artificiais já integram produtos avançados de engenharia e têm sido aplicados com sucesso em várias áreas do conhecimento.
Nos últimos 50 anos, um número expressivo de pesquisadores em computação começou a utilizar fenômenos e mecanismos da natureza como fonte de inspiração para resolver problemas nas mais diversas áreas. Por exemplo, com base no funcionamento do cérebro humano, modelos matemáticos e mecanismos de aprendizado foram desenvolvidos e implementados com sucesso nos computadores, consolidando a linha de pesquisa denominada redes neurais artificiais.
Já os chamados algoritmos evolutivos foram desenvolvidos a partir de princípios da teoria de seleção natural do naturalista inglês Charles Darwin (1809-1882) – em computação, algoritmo é um conjunto finito de operações destinadas a resolver um dado problema.
O sucesso dessas estratégias baseadas em modelos naturais nos mais variados contextos nos habilita a continuar buscando na própria natureza inspiração para solucionar, de forma inovadora, problemas que continuam a desafiar a humanidade. Assim, mais recentemente, engenheiros e cientistas da computação vêm procurando na imunologia mecanismos e teorias capazes de levar à concepção de novas técnicas de solução de problemas passíveis de tratamento computacional.
As teorias e os conceitos da imunologia – uma das mais desafiadoras linhas de pesquisa dentro da biologia e da medicina – determinam que a operação do sistema imunológico envolva habilidades como capacidade de adaptação, reconhecimento de padrões e memória.
O sistema imunológico é particularmente bem desenvolvido nos mamíferos. Apresenta um elenco complexo de mecanismos que se auto-regulam e voltados para a manutenção da integridade do organismo. Embora esse sistema atue em conjunto com o sistema nervoso e o sistema endócrino, existem mecanismos e processos específicos do sistema imunológico, permitindo, assim, estudá-lo isoladamente e em profundidade. Além disso, é inquestionável a competência do sistema imunológico em realizar suas diversas funções, entre as quais se encontra a defesa do organismo frente a agentes causadores de doenças, como vírus e bactérias.
Através da perspectiva da computação — cujos pesquisadores são treinados para realizar abstrações e sintetizar mundos virtuais em computador para as mais diversas finalidades –, a identidade, a competência na execução de suas tarefas e as habilidades apresentadas pelo sistema imunológico são altamente motivadoras para a reprodução de sistemas imunológicos em computador, ou seja, para a proposição de sistemas imunológicos artificiais.
Leandro Nunes de Castro
Programa de Mestrado em Informática, Coordenadoria de Pós-Graduação e Pesquisa
Universidade Católica de Santos (SP)
Fernando José Von Zuben
Departamento de Engenharia de Computação e Automação Industrial
Faculdade de Engenharia Elétrica e de Computação
Universidade Estadual de Campinas