Para tristeza de uns e alívio de outros, a saga cinematográfica de Harry Potter parece ter chegado ao fim. Além de sua varinha mágica, um manto de invisibilidade foi instrumental para que ele triunfasse sobre as forças do mal. Seja por meio de poções, anéis ou capas (todos obviamente mágicos), é costumeiro que heróis se tornem invisíveis.
O senso comum nos diz que a ‘invisibilidade’ pertence ao domínio da magia e da ficção. O que nos diz a ciência?
Para responder a essa pergunta, precisamos de uma fonte luminosa, um objeto a ser iluminado e um detector de imagens. Uma lâmpada, por exemplo, ilumina o objeto de interesse, que pode absorver, transmitir ou refletir a luz incidente. A luz espalhada pelo objeto é detectada por nossos olhos. Essa informação é processada pelo cérebro, que nos diz a forma e a cor do objeto.
O problema fica definido se perguntarmos o que é necessário fazer para que o objeto se torne invisível, independentemente da fonte de luz e do detector/processador de imagens – ou seja, não nos interessa aqui simplesmente apagar a luz ou ‘enganar’ o cérebro com técnicas de camuflagem.
Já são conhecidos modos para escapar da detecção por radares, que processam informação analisando a reflexão de ondas eletromagnéticas por eles geradas. Um modo é absorvê-las, revestindo o objeto com materiais especiais. Mas, se a fonte luminosa é independente do detector (nosso caso), a absorção acentuada de luz denuncia um objeto opaco. Então, para termos um objeto invisível, é preciso que os raios luminosos se desviem ao chegar perto dele e se reconstruam de forma ‘esperta’ ao se afastarem.
Parece improvável.
No ensino médio, aprendemos que, em meios homogêneos ordinários (água límpida, por exemplo), os raios luminosos seguem trajetórias retilíneas. Sua direção só muda quando passam de um meio para outro (por exemplo, da água para o ar ou vice-versa). Esse fenômeno, a refração, explica por que temos uma falsa impressão da profundidade de uma moeda no fundo de uma piscina – ela é vista acima da posição real. Índios que pescam com flechas sabem que não podem apontar para a imagem do peixe, e sim para a posição real dele.
O índice de refração quantifica o desvio que raios de luz sofrem ao penetrarem um meio. Para materiais transparentes comuns, o índice de refração fica entre 1,0 (vácuo) e pouco menos de 2,0 (vidros especiais).
Há algum motivo fundamental para os índices de refração serem positivos? Em 1968, o físico russo Victor Veselago provou que não, mostrando que meios com índice de refração negativo teriam propriedades ópticas extraordinárias. Por exemplo, a pescaria com flechas em um meio desses seria quase impossível, pois a imagem de um peixe poderia estar à frente do pescador, quando sua posição real seria atrás dele.
Mas não havia materiais com essas propriedades. Apenas há cerca de 10 anos foram produzidos os primeiros materiais com estruturas submicrométricas projetadas para dar origem a um índice de refração negativo. Esses assim chamados metamateriais abriram a possibilidade de gerar caminhos luminosos até então impossíveis, como fazer a luz ‘desviar’ de um objeto iluminado.
Daí a fazer objetos desaparecerem há uma longa jornada (repleta de controvérsias) a ser trilhada. Mas essa pesquisa está evoluindo rapidamente. Nos últimos dois anos, vários grupos relataram resultados experimentais em que observaram [sic] invisibilidade quase perfeita para objetos milimétricos, iluminados por luz visível e outras frequencias do espectro eletromagnético.
Objetos macroscópicos invisíveis ainda estão distantes do nosso dia a dia. No entanto, desde já, vale a recomendação: não os deixe jogados pela casa. E lembre-se precisamente de onde foram guardados!
Caio Lewenkopf
Instituto de Física
Universidade Federal Fluminense
Texto originalmente publicado na CH 286 (outubro de 2011)