O sargaço, alga encontrada em muitas localidades do litoral brasileiro, pode ser a solução para o armazenamento de dejetos químicos e radioativos de laboratório. Em parceria com o Instituto de Radioproteção e Dosimetria (IRD), a engenheira química Marta Cristina Picardo descobriu, durante sua tese de mestrado realizada na Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), que a planta é capaz de atrair e concentrar isótopos de tório – um dos poluentes radioativos mais comuns – em meio líquido, o que diminui bastante o volume de material radioativo que precisa ser armazenado para evitar contaminação ambiental. A planta ainda é muito mais barata do que a chamada resina de troca iônica, única substância capaz de realizar a mesma operação.
Toda usina nuclear precisa recolher amostras e realizar testes de contaminação periódicos na água, no solo e nas plantas, para garantir que suas atividades não prejudiquem a vida da população ao seu redor. Além disso, qualquer pessoa na região pode solicitar esse teste, caso desconfie de contaminação. Essa análise, que no Brasil só pode ser realizada nos laboratórios do IRD, é feita através da espectrofotometria, processo que se baseia na comparação dos padrões formados por feixes de luz ao atravessar uma solução teste (que contém material radioativo dissolvido) com os formados pelos feixes ao atravessar a amostra, seja de água ou de material orgânico já previamente dissolvido em ácidos orgânicos.
O problema é que a solução teste só pode ser usada uma vez, pois o equipamento que faz a análise precisa ser recalibrado antes de testar cada uma das amostras, que chegam a dezenas ou centenas por semana. A solução descartada deve, então, ser armazenada para evitar a contaminação do ambiente. Esse processo gera uma quantidade enorme de resíduos radioativos.
“Só os testes realizados em Angra dos Reis (RJ), onde se localizam as únicas usinas nucleares brasileiras em operação, Angra I e Angra II, produzem quase mil litros de dejetos radioativos por semana, em média”, afirma o orientador da tese de Picardo, o engenheiro químico Antônio Carlos Augusto da Costa, do Instituto de Química da Uerj. Como esses efluentes não são biodegradáveis e têm meia-vida (tempo necessário para que a atividade dos átomos radioativos se reduza à metade) muito grande, eles podem continuar emitindo radiação durante milhões de anos, tornando-se um perigo para o ser humano, se descartados indevidamente.
Esse é o problema que o sargaço pode ajudar a resolver. Os pesquisadores mostraram que proteínas e outras estruturas presentes na alga contêm moléculas carregadas negativamente que exercem atração sobre o nitrato de tório dissolvido (e positivamente carregado) na solução teste, fazendo o metal se acumular sobre a superfície da planta. Duas alternativas são possíveis então: a utilização de algum ácido (como o ácido clorídrico) para lavar o sargaço e reutilizá-lo – o que deixa uma pequena quantidade de solução radioativa – ou a simples queima da alga a 500ºC, que elimina a biomassa e deixa como resíduo apenas uma pequena bolinha de tório, menor que uma bola de gude. “De qualquer forma, é uma redução significativa no volume de material a ser armazenado”, destaca Costa.
Trilhando o desconhecido
A pesquisa teve início ainda na década de 1990, quando Costa estudou diversas algas do litoral brasileiro e descobriu que muitas delas eram capazes de atrair certos metais dissolvidos em água, com maior ou menor intensidade. A escolha do sargaço deveu-se à eficiência apresentada pelas algas marrons em geral – espécies marinhas, freqüentemente encontradas nas praias, que possuem um aspecto gelatinoso – na absorção de metais e à facilidade de encontrá-lo na natureza.
O sargaço é abundante em várias praias do Sudeste e do Nordeste do Brasil, chegando até a causar problemas ambientais e turísticos, quando se acumula na areia. Em seu estudo, Picardo escolheu testar a capacidade de atração da alga em relação ao tório. Segundo Costa, esse é um dos elementos mais comuns nos dejetos radioativos – ao lado do urânio – e apresenta uma meia-vida muito longa, maior até que a idade da Terra (cerca de 4,5 bilhões de anos). “Por isso, precisa ser armazenado eternamente”, ressalta.
Para descobrir se as algas eram capazes de retirar o tório da solução teste, elas foram mergulhadas em ampolas de 100 ml contendo o elemento dissolvido em diferentes concentrações. Depois, verificou-se a velocidade com que o metal se acumulava na superfície do sargaço, através de medições periódicas de suas concentrações na solução. Segundo Costa, o sargaço teve desempenho semelhante ao da resina de troca iônica, que absorve rapidamente o material radioativo. “Foi um sucesso total”, enfatiza.
Em outro teste, foi avaliada a ação das algas em quantidades maiores de solução. Depois de encher tubos de acrílico com sargaço, os pesquisadores bombearam soluções com tório em diversas concentrações para dentro deles, a partir da base. Quando as soluções alcançavam a borda superior do tubo, o nível de tório era medido. “Não havia mais sinal do elemento, pois ele tinha ficado retido na alga”, conta o químico.
Alternativa bem mais barata
Na última fase da pesquisa, iniciada em abril, o sargaço está sendo usado em uma situação real: tratar o efluente gerado pelos testes de laboratório do IRD. Apesar de esse material conter diversos metais pesados e radioativos, somente os níveis de tório em solução estão sendo acompanhados durante todo o processo. Os pesquisadores decidiram ainda fazer a caracterização total do efluente no início e no fim do tratamento, para verificar se o sargaço também influi nas quantidades de outras substâncias em solução. “A idéia é que a alga substitua a resina de troca iônica em pouco tempo, mesmo que inicialmente seja apenas para os resíduos de tório”, prevê Costa. Essa etapa final deve ser concluída neste ano.
Vantagens não faltam nessa substituição. A primeira e maior delas é econômica. O Brasil importa toda a resina de troca iônica que utiliza, por um preço que varia entre US$ 20 e 600 o quilo. Já o sargaço, por ser abundante, custaria muito menos. Além disso, a quantidade de sargaço necessária para absorver o tório é bem pequena: apenas 2 g de biomassa, equivalente ao volume usado de resina para cada litro de efluente.
O único problema é que a alga só pode ser utilizada cinco vezes – depois de ter sido limpa com ácido –, enquanto a resina suporta mais. Mas como sargaço é comum e barato, os pesquisadores pensam em usá-lo apenas uma vez e depois queimá-lo, para produzir resíduos menores de tório. Diante do sucesso da pesquisa, outra tese de mestrado, dessa vez realizada no próprio IRD, se propõe agora a estudar a ação do sargaço sobre o urânio.
Marcelo Garcia
Ciência Hoje /RJ