Na edição da revista Nature de 3 de dezembro, há três artigos que, embora versem sobre temas distintos, talvez tenham elos entre si. O primeiro deles, uma reportagem  escrita por Sara Reardon, trata de suicídio, 15ª causa mais comum de morte em todo o mundo – número, ao mesmo tempo, surpreendente e alarmante. Reardon menciona que o suicídio, ao contrário do que se possa imaginar, não é mais frequente em pessoas que sofrem de depressão, o que não significa, no entanto, que os suicidas não apresentem distúrbios mentais de outra natureza.

O fato é que, atualmente, há um esforço investigativo no sentido de compreender os mecanismos cerebrais envolvidos nesse comportamento. Por exemplo, Reardon comenta um dos projetos em andamento, em que pessoas que tentaram suicídio há menos de um ano terão a função e a estrutura de seu cérebro comparadas às de indivíduos com depressão e/ou ansiedade e de pessoas saudáveis. A esperança é que algum parâmetro se manifeste apenas no primeiro grupo e forneça pistas sobre o que se passa na mente do suicida.

Como parte do estudo, o grupo dos suicidas também receberá cetamina. Esse composto psicoativo antes empregado como anestésico e mais modernamente usado como droga recreativa (tem efeitos psicotrópicos semelhantes aos do LSD) revelou a interessante propriedade de eliminar rapidamente nos potenciais suicidas seus pensamentos e comportamento característicos, sem alterar o quadro geral de depressão naqueles que sofrem do transtorno.

A cetamina parece ser muito específica com relação à inibição da tendência suicida

Em outras palavras, a cetamina parece ser muito específica com relação à inibição da tendência suicida. Embora a duração do efeito da cetamina seja curta – uma semana, em média –, o estudo pode vir a revelar quais receptores do sistema nervoso afetam de modo tão radical esse fundamental caráter da autopreservação dos seres vivos.

O segundo artigo, escrito por Declan Butler, trata da busca de um padrão comportamental entre os terroristas. O número de atentados desse tipo cresceu tanto nos últimos tempos que já se formou um universo passível de estudos epidemiológicos. Sociólogos, cientistas políticos e antropólogos já têm à disposição um considerável repositóriode episódios, que podem estar sendo motivados pelos mesmos fatores dos assassinatos  em série. Butler narra, por exemplo, que os cientistas descobriram que a religião não é um fator predisponente para a prática de atentados, que os terroristas guardam em si agudo ressentimento em relação às suas origens (famílias disfuncionais, falta de educação e desemprego) e que esses sentimentos acabam sendo exacerbados em prisões (grande parcela dos terroristas já esteve na cadeia).

Desse modo, em seu conjunto, esses indivíduos marginalizados acabam sendo presas fáceis para aqueles que Butler classifica como empreendedores do terrorismo. Considerando que, entre os terroristas, há um significativo contingente de potenciais suicidas, é pertinente indagar se a cetamina poderia ser usada também como droga antiterrorista.

Os dispositivos implantados em pacientes emitiriam sinais, em tempo real, que informariam aos sistemas de vigilância dos hospitais se tudo está bem ou não, o que atenuaria muito as situações de emergência

Finalmente, a interessante resenha de Elizabeth Gibney trata da possibilidade, bastante realista, de prover seres humanos com implantes que funcionariam como extensões de seus próprios tecidos e que, por meio de sensores, monitorariam certos compostos presentes no corpo cujas flutuações indicariam situações de atividade anormal. Os dispositivos implantados em pacientes emitiriam sinais, em tempo real, que informariam aos sistemas de vigilância dos hospitais se tudo está bem ou não, o que atenuaria muito as situações de emergência. Gibney admite que o maior problema seria coordenar esse processo de maneira coerente e, sobretudo, sem ruídos.

Embora tal proposta represente ainda um desafio para a ciência de novos materiais e para a informática, não há dúvida de que, se viabilizada, trará grandes  benefícios médicos. E, se de fato for comprovado que o suicídio está subordinado ao desequilíbrio de neurotransmissores, quem sabe teríamos à disposição um substituto eletrônico para os bons samaritanos.

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Franklin Rumjanek
Instituto de Bioquímica Médica
Universidade Federal do Rio de Janeiro
franklin@bioqmed.ufrj.br

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