O pároco de um vilarejo da Inglaterra do século 18, até certo ponto obscuro em seu tempo, é festejado e considerado avançado nos meios científicos atuais – tudo por ter escrito um pequeno ensaio sobre probabilidade. O processo de raciocínio idealizado por Thomas Bayes nesse texto, que ele mesmo sequer levou a público, é tido hoje como uma nova forma de ver o mundo, como a base de uma verdadeira revolução em diferentes campos do conhecimento, da genética à teologia. Mas o que é o raciocínio bayesiano e por que vem ganhando tanto prestígio?
Se você visitar hoje o campus de uma universidade norte-americana, é provável que encontre estudantes usando camisetas com a inscrição Bayes rules ! A tradução para o português seria algo como “Bayes é o ‘cara’!” (em inglês, a frase contém um trocadilho que será revelado mais adiante). Curioso, você decide checar quem é esse Bayes, e o melhor lugar para isso é certamente a internet.
Ao digitar o nome ‘Bayes’ em uma página de busca ( www.google.com.br , por exemplo) descobre-se que o nome completo dele é Thomas Bayes, que há um teorema de Bayes e que esse nome é citado (em junho deste ano) em nada menos que 9,3 milhões de páginas de internet! Se usarmos a palavra inglesa bayesian (bayesiano), o total de páginas sobe para 23,2 milhões. Se buscarmos informação em uma área específica, como o banco de dados de literatura biomédica Pubmed , colocando ‘Bayes’ na linha de procura, encontramos nada menos que 6.655 artigos!
Finalmente, uma consulta, usando o nome ‘Bayes’, ao excelente repositório de sabedoria que é a Enciclopédia de Filosofia de Stanford faz surgirem muitos verbetes: ‘teorema de Bayes’, ‘lógica indutiva’, ‘epistemologia bayesiana’, ‘milagres’, ‘argumento teleológico para a existência de Deus’, ‘teoria dos jogos’, ‘conhecimento comum’, ‘interpretações de probabilidade’, ‘filosofia da economia’, ‘o problema do mal’, ‘teoria formal do aprendizado’ e ‘ateísmo e agnosticismo’! Isso já permite admitir que esse tal de Bayes deve ser de fato o ‘cara’ e certamente nos deixa ainda mais curiosos.
Este artigo tenta apresentar quem foi Bayes, o que são o seu teorema e a sua teoria da probabilidade e por que ele é importante em tantas áreas do conhecimento, da medicina à teologia. Essa tentativa será feita da maneira mais simples, intuitiva e informal possível, sem muitas fórmulas ou letras gregas.
Quem foi Thomas Bayes
Considerando a sua imensa importância atual, sabemos pouco sobre Thomas Bayes. Ele foi um reverendo presbiteriano que viveu no início do século 18 (1701?-1761) na Inglaterra. Estudou teologia na Universidade de Edimburgo (Escócia), de onde saiu em 1722. Em 1731 assumiu a paróquia de Tunbridge Wells, no condado de Kent, a 58 km de Londres. No mesmo ano apareceu na Inglaterra um livro anônimo – hoje creditado a Bayes – chamado Benevolência divina . Cinco anos depois, publicou seu primeiro e único livro de matemática, chamado The doctrine of fluxions ( A doutrina dos fluxions ) – o nome fluxion foi dado pelo matemático e físico Isaac Newton (1642-1727) para a derivativa de uma função contínua (que Newton chamava de fluent ).
Com base nesse livro e em outras possíveis contribuições sobre as quais não temos dados precisos, Bayes foi eleito em 1752 para a Royal Society, sociedade científica britânica criada em 1645. Dois anos após sua morte, um amigo, o filósofo Richard Price (1723-1791), apresentou à Royal Society um artigo que aparentemente encontrou entre os papéis do reverendo, com o nome ‘ An essay towards solving a problem in the doctrine of chances ’ (‘Ensaio buscando resolver um problema na doutrina das probabilidades’). Nesse artigo estava a demonstração do famoso teorema de Bayes. Price acreditava que o artigo fornecia uma prova da existência de Deus ( clique aqui para baixar o texto na íntegra). Após sua publicação, o trabalho caiu no esquecimento, do qual só foi resgatado pelo matemático francês Pierre-Simon de Laplace (1749-1827), que o revelou ao mundo.
Sérgio Danilo Pena
Departamento de Bioquímica e Imunologia,
Universidade Federal de Minas Gerais.