A imprensa noticiou recentemente o diálogo entre duas pessoas preocupadas com o aquecimento global e com o destino da Terra. Uma expressou seu pessimismo dizendo que, se nenhuma providência enérgica fosse tomada imediatamente, o planeta acabaria. Tal previsão foi imediatamente contestada pela outra pessoa, para a qual o planeta continuaria a existir muito bem, mas certamente uma boa proporção dos seres vivos, entre eles a espécie humana, deixaria de existir.
Independentemente de mudanças climáticas, o processo da evolução implica a extinção de espécies, o que ocorre a uma taxa relativamente constante. Acredita-se, por exemplo, que mais de 90% das espécies que viveram na Terra já estejam extintas. No entanto, não há dúvida de que uma alteração radical no ambiente, como a que se anuncia para as próximas décadas, produziria mudanças catastróficas e súbitas na biosfera. Haveria extinções em massa, semelhantes às ocorridas durante períodos de glaciação e de aquecimento do planeta, ou às que resultaram de colisões com asteróides gigantes, como parece ter ocorrido na península do Yucatán, no México. Esse evento é a base de uma das hipóteses para explicar a extinção dos dinossauros. Outra hipótese envolve vulcanismo intenso, concomitante com o choque do asteróide.
Se de fato estivermos diante de uma catástrofe iminente, seria possível prever que espécies permanecerão na Terra? Definitivamente, sim. Embora tais palpites sempre sejam arriscados, em virtude da extensa rede de interações que se estabeleceu entre os seres vivos, pode-se arriscar uma ‘barbada’. Com quase toda certeza as arqueas, seres unicelulares em parte semelhantes às bactérias e em parte únicas, herdarão o planeta. Ou melhor, continuarão a existir aqui, como fazem há mais de 3,5 bilhões de anos, sem se importar com questões climáticas ou com as recentes ações deletérias dos humanos.
Quem são esses seres especiais? São microrganismos que vivem em praticamente todos os ambientes terrestres e marinhos, na ausência de luz ou de oxigênio e por vezes sob altíssimas pressões e temperaturas. Entre as cerca de 90 espécies já catalogadas, descobriu-se que muitas arqueas conseguem viver em condições extremas, não toleradas por qualquer outro organismo. Ambientes de grande salinidade ou acidez, por exemplo, seriam considerados estéreis se não fosse a presença de arqueas halofílicas (que preferem sal ou ácido). Águas com temperatura próxima à do ponto de ebulição ou abaixo do ponto de congelamento são os ambientes prediletos de arqueas hipertermofílicas e psicrofílicas, respectivamente. Seus metabolismos estão perfeitamente ajustados a tais condições, o que reflete a grande plasticidade das proteínas que as compõem.
As arqueas não param por aí. Com seus ‘superpoderes’, resistem ainda a enormes níveis de radioatividade, muito além dos que seriam letais para plantas e animais. A arquea Deinococcus radiodurans, por exemplo, é capaz, como o nome sugere, de regenerar seu DNA rapidamente após receber uma dose radioativa que reduz o genoma a pequenos fragmentos, e continua a viver e a se reproduzir como se nada tivesse acontecido. São conhecidos hoje tantos feitos das arqueas que é razoável admitir que elas poderiam colonizar ou ter colonizado qualquer planeta com condições similares às da Terra primitiva. O cenário marciano, por exemplo, parecido com o do deserto chileno de Atacama (o ambiente mais seco da Terra), poderia abrigar tais microrganismos em camadas do solo próximas à superfície, como ocorre em Atacama. Em breve saberemos.
O conhecimento sobre as arqueas, porém, não deixa de ser reconfortante para o Homo sapiens. Podemos especular, sem muito medo de errar, que as arqueas foram as células que deram origem, na Terra, a todas as outras formas de vida. Diante de tamanha resistência, é certo também que, após a nossa extinção, as arqueas permanecerão neste planeta até que o Sol termine seu ciclo estelar, daqui a cerca de 5 bilhões de anos. Há, portanto, tempo suficiente para um novo ciclo de evolução, que teria, digamos, de 2 a 3 bilhões de anos. Se os caminhos evolutivos forem parecidos com os que conhecemos agora, talvez surja uma segunda versão humana. Quem sabe esta será mais ecológica?
Franklin Rumjanek
Instituto de Bioquímica Médica
Universidade Federal do Rio de Janeiro