Lobo-marinho recuperado por pesquisadores do Centro de Estudos do Mar (fotos cedidas por Ricardo Krul – CEM/UFPR).
Em uma década, mais de mil animais que migram de altas latitudes para o litoral sul e sudeste do Brasil foram reabilitados e devolvidos ao seu ambiente natural por pesquisadores do Centro de Estudos do Mar (CEM) da Universidade Federal do Paraná, localizado no município litorâneo de Pontal do Paraná, a 120 km de Curitiba. Entre as espécies recuperadas pelo Projeto de Estudos e Reabilitação de Aves, Mamíferos e Répteis (Proamar), criado há 10 anos pelo CEM, estão lobos-marinhos, pingüins e albatrozes que, durante a migração sazonal, sofrem reveses em seu percurso, sendo obrigados a mudar de itinerário. Dispersos do grupo, alguns indivíduos morrem, e outros terminam sua jornada distantes de seu destino original, doentes, feridos ou encalhados em nossas areias.
Nos últimos anos, tem-se verificado considerável aumento no número de animais enfraquecidos que aportam em nossas praias, muitos deles não-nativos da fauna brasileira. Fisicamente impossibilitados de prosseguir em seus roteiros, são recolhidos e encaminhados aos pesquisadores e voluntários do Proamar. A equipe, formada por biólogos, oceanógrafos e veterinários, atende os animais e se encarrega de sua reabilitação.
Há quem argumente que essa atitude deva ser condenada, pois, supostamente, interfere no processo de seleção natural. Entretanto, o argumento é facilmente invalidado pelos fatos. Muitos animais são encaminhados ao Proamar por terem se tornado vítimas de inúmeras formas de ação humana sobre os ecossistemas, como derramamento de petróleo, pesca irregular e diversos tipos de poluição. “Cada espécie afetada indica uma forma diferente de desequilíbrio”, diz o biólogo Ricardo Krul, coordenador do projeto. “Entre os animais atendidos estão espécies que atraem o interesse do público, muitas das quais correm risco de extinção”, afirma o biólogo. “Isso contribui para uma boa interação entre a comunidade que encaminha os animais ao Proamar e os pesquisadores do projeto.”
O lobo-marinho estava debilitado quando chegou ao CEM.
Pingüins feridos e contaminados por petróleo; tartarugas-marinhas que ingeriram lixo ou sofreram mutilações resultantes da captura acidental em redes de pesca; lobos-marinhos feridos nos olhos e nas nadadeiras, também devido à atividade pesqueira, são apenas alguns dos muitos casos testemunhados pela equipe do Proamar.
Falta de peixes
As aves marinhas constituem um caso peculiar. Diferentemente dos demais animais, em geral elas enfrentam o problema da desnutrição. Sabe-se que, nos últimos anos, a indústria da pesca tem atuado em nosso litoral de modo excessivamente predatório. Exímias pescadoras, essas aves estão tendo sérias dificuldades para encontrar o que comer. Dados apontam que algumas espécies chegam a ter 90% de sua alimentação baseada em restos pesqueiros, muitas vezes deteriorados e impróprios para consumo. Assim, as aves acabam intoxicadas, desnutridas ou morrem. Também em razão da pesca predatória, pescadores nativos se vêem obrigados a diversificar suas atividades. A pesca já não garante o sustento de suas famílias.
Outro fator de desequilíbrio, já há muito tempo em pauta, são os derramamentos de petróleo. Ao contrário do que se imagina, não são casos isolados, como eventuais vazamentos ou acidentes com embarcações. “O problema é muito mais abrangente”, diz Krul. Segundo ele, diariamente nossos mares recebem doses de petróleo e seus derivados, devido às contínuas trocas de óleo realizadas nas embarcações ou à lavagem dos tanques de navios petroleiros. “Centenas de litros do combustível são diariamente liberadas em nosso litoral”, afirma. Assim contaminadas, nossas águas afetam diretamente a vida marinha e as espécies que por ali passam durante as migrações sazonais.
Tartaruga-marinha (A) e albatroz (B) saudáveis, prontos para retornar à natureza.
Há também problemas de menores proporções, mas nem por isso menos nocivos. Em geral estão vinculados ao descaso com o lixo doméstico e industrial, especialmente o plástico. Já consagrado vilão, ele também tem exercido notável impacto sobre o equilíbrio do ecossistema, pois entra muitas vezes no cardápio de inúmeras espécies que vivem no litoral ou o visitam todos os anos.
Atualmente, o Proamar atende três lobos-marinhos, três pingüins, dois atobás e uma tartaruga. O projeto, cuja estrutura física é viabilizada pelo CEM, não tem apoio financeiro de outras entidades. Há um convênio com o Ibama, mas a parceria se limita a formalidades burocráticas, uma vez que a instituição nunca destinou recursos financeiros ao projeto, que é totalmente conduzido por voluntários. Os estudantes de oceanografia do CEM também dão sua contribuição. O projeto tem também o apoio de pescadores locais, que eventualmente doam peixes para alimentar os animais em reabilitação.
Desde que iniciou suas atividades, o Proamar já devolveu, com saúde, centenas de animais ao ambiente natural. Embora não haja meios de se acompanhar a trajetória e o sucesso desses animais depois de soltos, pesquisadores e voluntários têm certeza de que realizaram um bom trabalho.
Henrique Kugler
Especial para Ciência Hoje/PR