Registrar, em fotos e textos, a arte popular brasileira. Com esse objetivo, os historiadores e jornalistas Beth Lima e Valfrido Lima atravessaram todo o país, correndo atrás de pistas de artistas, que, na maioria das vezes, permanecem desconhecidos. O resultado da pesquisa, iniciada em 2002 e que compreendeu quatro anos de viagens, foi reunido no livro Em nome do autor (Proposta Editorial), cujo título expressa o propósito de romper o anonimato em que esses artistas se encontram.
“Esse foi um dos compromissos do nosso projeto. Ir até onde o artista mora e tornar público seu endereço”, afirma Valfrido Lima. Com base em pesquisa bibliográfica e também nas indicações dos próprios artistas entrevistados, os jornalistas visitaram mais de mil artistas populares até chegar aos 320 nomes incluídos no livro. “Fizemos uma verdadeira garimpagem para elaborar esse painel”, conta Lima.
A vida nem sempre tem sido benevolente com esses artistas. “Para sobreviverem, muitos deles vendem suas peças por preços módicos, que nos grandes centros urbanos acabam sendo vendidos por quantias inimagináveis para eles”, diz o jornalista, acrescentando que a falta de reconhecimento foi uma queixa comum nas entrevistas.
A inclusão dos endereços no livro pode ajudar no acesso direto aos artistas e mesmo em contatos com outras cidades para as quais eles não costumam vender. “Todos os 320 artistas receberam um exemplar do livro e vários mandaram mensagens dizendo como isso foi importante para eles, pois, além de sentirem seu trabalho valorizado, o livro permitiu que pudessem ver o que está sendo produzido em outras partes do país. Acredito que o livro mudou a vida de muita gente”, diz ele, lembrando a história de Marta Maria, de Sete Lagoas (MG), que hoje já fez exposições individuais em Belo Horizonte e passou a ter uma produção bem mais esmerada do que a mostrada no livro.
Os pesquisadores notaram, entretanto, que mesmo antes da distribuição da obra, havia coincidências curiosas, com alguns artistas que nunca se conheceram apresentando uma produção muito parecida. Lima cita, por exemplo, Manuel Graciano, de Juazeiro do Norte (CE), e Antônio Passarinheiro, de Bocaiuva do Sul (PR), com seus bichos sorridentes.
Materiais diversos
Organizado segundo a região geográfica, o livro mostra a diversidade de estilos e materiais da arte popular brasileira. Cimento, pedra, barro, madeira, tecido, bola de gude, papéis coloridos, bambu, balata defumada (obtida a partir da extração do látex), raízes, sementes, capim-dourado, palitos de fósforo, arenito e refugos metálicos são alguns dos muitos materiais utilizados.
Em geral, nos locais onde sobressai um grande artista, ele acaba criando discípulos, que, em alguns casos, apenas reproduzem aquelas peças que se tornaram célebres. “Mas, dentre esses discípulos, alguns ganham caminho próprio”, destaca Lima.
O pesquisador observa que, embora existam iniciativas isoladas de apoio à arte popular, a maioria dos programas é voltada para o artesanato gerador de renda e não para o trabalho artístico. Segundo ele, além de mais pesquisas, a arte popular deveria ser incluída nos currículos escolares e museus e institutos dedicados ao tema deveriam ser criados para que esse trabalho alcançasse maior divulgação.
Ele lembra que em São Paulo, por exemplo, afora o Memorial da América Latina, que tem um setor dedicado à arte popular do continente, não há museus sobre o tema. “A divulgação dessa arte é tão escassa que morre um grande mestre, como Raimundo Saraiva Cardoso, o mestre Cardoso, de Icoaraci, Belém (PA), falecido em 2006, e não sai uma linha nos jornais”, lamenta.
Sheila Kaplan
Ciência Hoje/RJ