Essa é uma daquelas descobertas que mostram quanto mistério ainda se esconde em lugares e seres mais inusitados. Se alguém dissesse que um inseto se orienta por meio da luz das estrelas, correria o risco de receber tal comentário com, no mínimo, ceticismo. Agora, foi apresentado o que se diz ser o primeiro caso desses conhecido pela ciência.
O nome popular do Scarabaeus satyrus, nosso protagonista, é, digamos, diferente: rola-bosta ou, mais polidamente, besouro africano ou escaravelho. Ele e membros de sua família, até o momento, eram mais conhecidos pelas proezas incomuns: i) localizar estrume; ii) fazer uma bolinha com o material coletado; iii) levar a aquisição (rapidamente) para casa.
É justamente no item iii que esses besouros machos chamavam a atenção. Mesmo em noites mais escuras, eles podem voltar para casa em linha reta – isso, segundo os biólogos, é uma estratégia para não andar em círculos e dar o azar de voltar à fonte do estrume, o que elevaria os riscos de um ‘colega’ menos propenso ao trabalho roubar sua bolota de fezes. A competição entre os machos é bem alta.
Sabia-se que o bosteiro (outro nome popular) é capaz de se orientar pela luz do Sol e da Lua. Mas, em noites claras, mas sem luar, como eles continuavam andando em linha reta? Foi em uma dessas noites que Eric Warrant, da Universidade de Lund (Suécia), e sua equipe ficaram surpresos com a capacidade do pequeno besouro. Surgiu, assim, a ideia de orientação pelas estrelas.
Para testar a hipótese, veio a criatividade da equipe. Construíram uma arena circular preenchida com areia. O experimento foi feito tanto ao ar livre quanto em um planetário – neste último, dava para variar o ‘céu’. Os insetos eram postos no centro da arena e se esperava até que chegassem à beirada, sempre rolando a bolinha de estrume.
Resultados: os besouros fizeram os menores tempos – ou seja, um percurso mais em linha reta – sob o luar natural e um céu estrelado, mesmo que sem luar. Também se saíram bem quando, no planetário, se criou ou um céu estrelado, ou apenas um com a Via Láctea.
Os percursos mais tortuosos (ou seja, tempos maiores) se deram quando os besouros tiveram a visão coberta com um pedacinho de papelão ou quando, no planetário, foi apresentado a eles apenas um céu com poucas estrelas brilhantes.
Conclusão: para Warrant, os insetos – “que têm entre 25 e 30 mm”, disse ele à CH – não estavam usando estrelas individuais, mas sim o brilho da Via Láctea.
Sabia-se, até agora, que só humanos, aves e focas usam a luz das estrelas para orientação. No entanto, os autores escrevem na abertura do artigo que também se desconfia dessa capacidade para vertebrados, aranhas e outros insetos.
Um dos entrevistados pelo serviço noticioso Science Now diz que há abelhas e mariposas de hábitos noturnos e que ninguém se perguntou até agora como elas se orientam. E que os resultados da equipe da Universidade de Lund e de seus colegas sul-africanos abrem o caminho para esse questionamento.
Em tempo: o leitor deve estar se perguntando por que o macho do rola-bosta coleciona pelotas de estrume. Razão: para impressionar a fêmea. Aqueles com provisões maiores – para alimentar os filhos – têm mais chance de conquistar uma companheira, que põe os ovos dentro das bolotas, que são levadas para dentro de túneis com mais de 1 m de profundidade. O excremento serve de comida para as larvas.
Cássio Leite Vieira
Ciência Hoje/ RJ
Texto originalmente publicado na CH 301.