A história do setor relacionado a computadores e automação na então União Soviética (URSS) evidencia tanto as potencialidades quanto os problemas do campo tecnológico naquele país depois do fim da Segunda Guerra Mundial, durante a chamada Guerra Fria, período de disputa ideológica entre os EUA e a URSS em busca de poderio político, econômico e, principalmente, militar.
A URSS mostrou pioneirismo na produção de computadores – foi o terceiro país a construir um modelo, depois dos EUA e da Inglaterra – e tinha um campo em ciência da computação independente e solidificado no final da década de 1960.
Mas o Partido Comunista soviético, após 1967, influenciado por fatores internos (controle do campo científico do país) e externos (custos advindos da corrida armamentista com os EUA), adotou políticas de cópia e clonagem de modelos ocidentais para os equipamentos produzidos pela URSS. Como resultado, segundo o historiador da ciência Loren Graham, a automação soviética, no fim do sistema comunista, no início da década de 1990, “foi um exemplo do fracasso do país em conseguir seguir por um caminho independente”. Para Graham, foi “outro caso de erosão da excepcionalidade soviética”.
A URSS também manteve em segredo o modo como esse sistema foi desenvolvido. Essa atitude pode ser parcialmente explicada pela estrutura fechada do regime comunista e pelo clima de competição da Guerra Fria, sob o qual pesquisadores ocidentais tinham dificuldade em identificar as reais dimensões tanto da ciência da computação soviética quanto da produção e do uso de computadores no país. Informações mais precisas sobre esse campo só viriam com a dissolução da União Soviética, em 1991.
Obscurantista, reacionária e burguesa
A ciência da computação na URSS teve suas origens no final da década de 1940, com a assimilação, por parte dos pesquisadores soviéticos, de disciplinas científicas que emergiam nos EUA e na Europa ocidental nesse período.
Entre essas áreas, a de maior influência para o campo computacional soviético na década de 1950 e a seguinte foi a cibernética. Segundo um dos fundadores dessa ciência, o matemático norte-americano Norbert Wiener (1894-1964), esse campo analisa “(…) não apenas o estudo da linguagem, mas também o estudo das mensagens como meios de dirigir a maquinaria e a sociedade, o desenvolvimento de máquinas, computadores e outros autômatos”.
Na URSS, o exercício dessa ciência, num primeiro momento, teve caráter contraditório e problemático. Seus conceitos, ao serem apresentados no país, no início da década de 1950, foram duramente criticados e rejeitados, tendo sido a cibernética classificada de “ciência do obscurantismo”, “pseudociência burguesa norte-americana” e “ciência reacionária” pela classe política soviética. Essa postura foi influenciada, em parte, pelo clima sombrio dos primeiros anos da Guerra Fria e dos últimos anos no poder do líder soviético Josef Stalin (1879-1953).
Paralelamente, ideias e conceitos da cibernética eram usados por pesquisadores soviéticos, como o matemático Alexei Lyapunov (1911-1973), para a construção dos primeiros computadores no país, bem como em projetos militares e no programa espacial soviético. Esse aspecto permitiu rápida e vertiginosa reabilitação dessa área em uma URSS, no final da década de 1950, já livre da influência stalinista.
Essa reabilitação chegaria ao ápice na década seguinte, com a área sendo chamada de “a ciência do comunismo”, além da criação de um Conselho de Cibernética – responsável pelo gerenciamento de diferentes projetos de automação na URSS – e a participação de teóricos estrangeiros renomados, como Wiener, em congressos no país nessa época.
Pesquisadores e periódicos
Com a consolidação da cibernética e, a partir da década de 1960, com o surgimento de áreas que também contribuiriam para a consolidação da automação no país – por exemplo, a Informatika, denominação soviética, a partir de 1966, para ciência da informação –, a ciência da computação começava a obter bases teóricas mais sólidas, além do fortalecimento de seu caráter interdisciplinar. Os resultados de pesquisa nesse campo passaram a ser publicados em periódicos como Kibernetika (Cibernética), Naukovedvnie i Informatika (Estudos da ciência e informática) e Nauchno-Tekhnicheskaya Informatsiya (Informação técnico-científica).
O aparecimento de cursos e projetos relacionados à automação e informatização no país, nas décadas de 1950 e 1960, revelou (ou consolidou) uma primeira geração de pesquisadores que coordenaram a construção dos primeiros computadores na URSS. Entre eles, destacam-se Sergey Lebedev (1902-1974), Anatoliy Kitov (1920-2005), Victor Glushkov (1923-1982) e Andrey Ershov (1931-1988), que buscaram não só a criação de centros de automação na URSS, mas também o estímulo da construção de redes de computadores que pudessem centralizar informações produzidas pelos setores administrativos e econômicos da URSS.
Apesar de alguns sucessos, grande parte dos projetos e das iniciativas desses pesquisadores foram prejudicados pelo Partido Comunista soviético, que chegou a mostrar hostilidade a ideias e propostas apresentadas por eles.
Roberto Lopes dos Santos Junior
Instituto Brasileiro de Informação em Ciência e Tecnologia (IBICT)