Meio século após a elaboração do Código Florestal, é necessário, sem dúvida, rever as regras de uso da cobertura vegetal do território brasileiro, adequando-as às exigências de produtividade e competitividade do século 21.
Tal adequação, porém, só será possível mediante políticas públicas coerentes e inovadoras, sintonizadas com o novo contexto e com o projeto de desenvolvimento que se deseja para o país.
Considerando que pontos críticos da proposta de revisão que está em debate no Congresso Nacional já foram debatidos minuciosamente pela sociedade, o que se deseja neste texto é contribuir para a questão em duas dimensões:
1. as exigências contemporâneas de competitividade para o uso da terra, desconhecidas na proposta de revisão;
2. as fortes contradições da proposta que, articulada ao discurso dos imperativos do desenvolvimento, choca-se com outras importantes decisões governamentais que visam exatamente ao desenvolvimento.
Faz tempo que querem modificar o Código Florestal brasileiro. Essa lei não tem sido suficiente para evitar que, a cada ano, áreas de florestas sejam derrubadas e queimadas.
A ‘necessidade’ de novas áreas de cultivo faz os produtores avançarem sobre a floresta, vista como improdutiva e fora do sistema de produção da propriedade.
Essa situação decorre, em grande parte, da política generalizada de ocupação e uso da terra em todos os biomas, e particularmente na Amazônia, onde se descaracteriza de forma brutal o uso florestal da propriedade.
Argumentos
São muitas as desculpas para mudar a lei, depois de não cumpri-la. Uma é a de que é preciso ter mais área para a agricultura – uma preocupação com a ‘segurança alimentar’.
Estudo (de 2009) do ecólogo Evaristo E. de Miranda e equipe, da Embrapa Monitoramento por Satélite, afirma que a legislação ambiental e indigenista brasileira ‘engessa’ mais de 73% do território nacional, destinados a unidades de conservação, Terras Indígenas, Áreas de Preservação Permanente (APPs) e Reservas Legais (RLs).
No entanto, o cientista social e ecólogo José Augusto Drummond ressaltou, em trabalho de 2009, que o restante (27%) é suficiente para a expansão da agricultura.
Este autor enfatiza que a agropecuária pode se expandir com base no aumento de produtividade e no aproveitamento/recuperação de solos ‘usados’, e que as RLs, que chegam a 31,54% do território nacional, juntamente com as APPs, seriam o preço a ser pago pela agropecuária – o que está de acordo com o movimento mundial que visa enquadrar ambientalmente as atividades produtivas.
Mais recentemente (2010), o agrônomo Gerd Sparoveck e outros demonstraram que o Brasil tem 61 milhões de hectares (ha) de alta e média produtividade agrícola que já estão alterados e podem ser usados na produção de alimentos.
Segundo o pesquisador, dos 278 milhões de ha ocupados pela agropecuária no país, pelo menos 83 milhões estão em situação de não conformidade com o Código Florestal e teriam que ser recuperados.
Observando todos esses dados, é possível afirmar que, no Brasil, não é necessário cortar mais árvores para produzir alimentos e que há um grande passivo de florestas ilegalmente cortadas que precisam ser restauradas.
Nesse contexto, o que nos surpreende é: por que uma lei de quase 50 anos não tem sido respeitada e cumprida? A discussão, após tanto tempo de destruição dos ecossistemas naturais brasileiros, deveria estar centrada em ‘onde’ e ‘como’ recuperar as Reservas Legais e Áreas de Proteção Permanente que não foram respeitadas.
Ima Célia Guimarães Vieira
Museu Paraense Emilio Goeldi
Bertha Koiffmann Becker
Universidade Federal do Rio de Janeiro