A maior parte da energia elétrica consumida no Brasil é produzida por usinas hidrelétricas. Entretanto, a construção de novas hidrelétricas revela uma opção pelo simples aumento da geração de energia (ou seja, atuando na oferta), em vez de tornar mais eficiente o consumo da energia já disponível (atuando na demanda). Além disso, traz vários e graves problemas, entre eles o não atendimento pleno à legislação ambiental.
Os efeitos negativos (ambientais, econômicos e sociais) da construção de hidrelétricas não são fatos novos, e continuam a ocorrer, ainda que as exigências para a aprovação dos projetos e os monitoramentos tenham aumentado. Essa realidade pode ser observada no projeto de implantação de hidrelétricas no rio Madeira, na Amazônia, que acrescenta outros problemas à lista tradicional.
O planejamento do setor elétrico brasileiro estima e qualifica a demanda futura, indica as tecnologias de produção e os combustíveis que cada uma deverá usar. Na estratégia adotada hoje no país, o maior volume de investimentos é concentrado em poucas tecnologias (hidreletricidade e termeletricidade) e poucos combustíveis (água, gás natural, petróleo), e em intervenções na geração (oferta), com pouca atenção a medidas que atuem no consumo (demanda), que têm custos menores e resultados satisfatórios. Essa forma de pensar traz lucros para algumas atividades econômicas e consequências negativas para outras. Entretanto, mais graves ainda são os prejuízos socioambientais relacionados à linha de planejamento adotada.
A energia é um fator estruturante da sociedade. Portanto, o atendimento da demanda futura por eletricidade no país interfere no meio ambiente, na economia, na tecnologia e em outros setores. As duas hidrelétricas (Jirau e Santo Antônio) em construção no rio Madeira, em Rondônia, podem ilustrar isso: os empreendimentos injetarão grande quantidade de energia no sistema, mas trarão também problemas ambientais e sociais. Cabe destacar que, já no início da construção, houve grande mortandade de peixes, em decorrência da interferência das obras no rio.
Historicamente, muitos problemas têm sido associados aos empreendimentos energéticos, principalmente perdas e alterações na biodiversidade e mudanças sociais indesejáveis, como aumento da incidência de doenças, crescimento da violência e da prostituição e desestruturação familiar, além de repercussões nem sempre benéficas nas atividades econômicas, no mercado de emprego e na cultura da região afetada.
Alguns empreendimentos energéticos implantados na Amazônia, nas últimas décadas, podem ser citados como exemplos de impactos negativos. A maior parte dos problemas apontados ainda existe nas regiões onde os projetos foram implantados, pois os benefícios (controle de cheias, irrigação, piscicultura e outros) não foram suficientes para compensar os efeitos negativos.
O gasoduto Urucu-Coari-Manaus, construído para garantir o aproveitamento de reservas de gás natural no Amazonas, atravessa extensa área de floresta, cortando e margeando terras indígenas e unidades de conservação; desestruturou comunidades tradicionais; e influenciou no aumento da incidência de doenças. Além disso, a produção de gás é voltada para atender às necessidades de empresas privadas de geração de energia elétrica (em termelétricas).
Nos casos das usinas hidrelétricas de Balbina (Amazonas), Samuel (Rondônia) e Tucuruí (Pará), podem ser listados o alagamento de extensas áreas, a produção de gases responsáveis pela intensificação do efeito-estufa, a desestruturação da economia solidária tradicional, o aumento da violência nas comunidades indígenas e entre a população não-indígena e a geração voltada para atender a parques industriais que exigem intenso uso de energia.
Artur de Souza Moret
Grupo de Pesquisa Energia Renovável Sustentável,
Universidade Federal de Rondônia
e Instituto Federal de Rondônia
Iremar Antônio Ferreira
Programa de Mestrado em Desenvolvimento Regional e Meio Ambiente,
Universidade Federal de Rondônia