Na ficção, os lançadores de teia do Homem-aranha são um prodígio da ciência. Na vida real, porém, ainda buscamos uma forma de produzir ‘teias’ sintéticas, resistentes e flexíveis, a custo razoável. Um grupo de pesquisadores brasileiros pode ter obtido resultados importantes nesse campo: a partir do DNA de aracnídeos brasileiros, eles produziram biopolímeros que poderão ser aplicados a produtos tecnológicos no futuro.
O grupo também estuda a utilização de sementes e folhas de vegetais como biofábricas para a síntese em escala de moléculas naturais das próprias teias e de substâncias importantes no combate a doenças como Aids e câncer.
A pesquisa, feita na unidade de Recursos Genéticos e Biotecnologia da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), em Brasília, utilizou avançadas técnicas de biotecnologia e de engenharia genética para a obtenção de biofibras. Os pesquisadores analisaram o genoma de cinco aranhas brasileiras (Nephila clavipes, Argiope aurantia, Nephylengys cruentata, Parawixia bistriata e Avicularia juruensis) para identificar os genes expressos nas glândulas responsáveis pela produção e pelas características da teia.
“Trabalhamos com o Instituto Butantan na seleção e coleta das aranhas, escolhidas por se originarem de diferentes biomas – algumas da Amazônia, outras do cerrado e da mata atlântica – e pela resistência de suas fibras”, diz Elíbio Rech, geneticista da Embrapa e coordenador do estudo.
Bactérias Escherichia coli foram geneticamente modificadas para receber as sequências selecionadas e passaram a atuar, então, como biofábricas capazes de sintetizar os polímeros desejados. “As bactérias produzem a proteína em maior quantidade que as aranhas, são biorreatores muito usados na produção de diversas substâncias sintéticas”, conta Rech. “Após a purificação do material produzido, um processo também desenvolvido por nós simula a ação da espirineta, aparelho das aranhas que organiza as proteínas em fibras.”
Após nove anos de pesquisas, o grupo aprendeu muito sobre a complexa organização das proteínas das teias de aranha em escala nanométrica que confere as características únicas ao material. O conhecimento acumulado permite que a equipe produza, por exemplo, fibras com diversos graus de resistência e flexibilidade, dependendo das perspectivas de aplicação. A expectativa é que, no futuro, elas possam ser utilizadas na produção de materiais como coletes à prova de bala mais leves, fios biodegradáveis para medicina, para-choques mais resistentes e flexíveis – e, quem sabe, lançadores que permitam a algum maluco corajoso andar dependurado pela cidade!
Sementes do futuro
Esse futuro, no entanto, ainda não chegou e a pesquisa tem muitos desafios pela frente. Segundo Rech, o próximo passo é desenvolver formas econômicas, eficientes e seguras para produzir biofibras em larga escala – em especial porque o uso de bactérias modificadas ainda é muito caro. Uma possibilidade para superar isso é criar ‘biofábricas’ alternativas: o grupo de Rech estuda, por exemplo, o emprego de outras células modificadas para a produção de biomoléculas, como as das sementes da soja.
Hoje, diversas substâncias, como a insulina, são sintetizadas por processos tradicionais, que usam as bactérias ou células animais modificadas em cultura. Mas o geneticista lembra que o processo apresenta limitações, como o tamanho máximo e a quantidade restrita das moléculas produzidas.
A intenção do grupo da Embrapa é desenvolver, a partir de plantas já domesticadas, uma plataforma tecnológica diversificada para fabricar uma variedade maior de moléculas de interesse industrial e farmacêutico, com baixo custo, maior eficiência e de forma sustentável.
O processo estudado em vegetais é similar ao empregado com as bactérias: as células vegetais são geneticamente alteradas para receber os genes específicos e passam a atuar como biorreatores para produção da substância de interesse. A opção pela soja se deu pelo domínio já existente no país sobre a leguminosa. “No mundo todo há grupos trabalhando com outras possibilidades, como arroz, cevada e milho”, explica Rech.
Importância médica
Na Embrapa, as sementes de soja vêm sendo usadas para a produção de diversas substâncias de interesse médico, como a cianovirina, proteína isolada em algas que pode inibir a replicação do HIV, e antígenos como o NY-ES01 e o Hormad1, importantes no diagnóstico de câncer – trabalhos em parceria com grandes centros internacionais, como Instituto Ludwig de Pesquisa sobre o Câncer, de Nova York. O laboratório da Embrapa também tem testado o uso de folhas de tabaco como biorreatores.
“As sementes são transgênicos estáveis, se perpetuam em gerações, e têm as vantagens de serem fáceis de estocar e de conterem milhões de células para servir de biofábricas”, avalia Rech. “Já as folhas são temporárias: produzem proteínas durante um período de até sete dias.”
O geneticista destaca que a intenção agora é levar as pesquisas para fora do laboratório – e para isso a parceria com o setor privado é fundamental. “Mostramos que o conceito funciona, mas precisamos aliar o trabalho dos biólogos moleculares com o dos engenheiros, atrair a iniciativa privada para escalonar o processo e levá-lo adiante, transformar recurso tecnológico em inovação de fato, o que não é simples no Brasil”, pontua. “Essa é uma demanda da sociedade, uma área potencialmente lucrativa que pode atrair o interesse das empresas para aplicar, na prática, nossos resultados.”
Marcelo Garcia
Ciência Hoje/ RJ
Texto originalmente publicado na CH 316 (julho de 2014). Clique aqui para acessar uma versão parcial da revista.