Tornados, terremotos, furacões, tsunamis… Diz o senso comum que no Brasil esses desastres naturais não têm vez. Mas essa crença não se justifica quando se trata dos tornados. É o que mostra um estudo da Universidade Estadual de Campinas, que resgatou registros desse fenômeno natural no país desde 1990 até hoje. Segundo a pesquisa, nos últimos 20 anos, ocorreram no mínimo 205 tornados, o que coloca o Brasil entre os países que mais sofrem com o evento no mundo.

No Brasil não existe um sistema de detecção articulado de tornados e os registros oficiais são poucos. O Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) documentou apenas 10 tornados na década de 1990. Por isso, o estudo recorreu também a registros em jornais e páginas na internet sobre meteorologia e de compartilhamento de fotos e vídeos para identificar as ocorrências.

A pesquisa mostrou um aumento no número de casos de tornados nos 10 últimos anos, mas seu autor principal, o geógrafo Daniel Henrique Candido, ressalta que não é possível dizer se essa é uma tendência real ou apenas uma melhoria nos registros. “Muito provavelmente, o que temos é um aumento dos registros. Hoje, todo mundo tem um celular com câmera filmadora e fotográfica para registrar o evento e disponibilizar na internet”, especula.

O levantamento aponta que São Paulo é o estado mais atingido por tornados, seguido por Rio Grande do Sul e Santa Catarina

O levantamento aponta que São Paulo é o estado mais atingido por tornados, seguido por Rio Grande do Sul e Santa Catarina. Para Candido, a liderança de São Paulo foi uma surpresa, pois as condições atmosféricas e o relevo natural dos estados do Sul são mais propícios para a formação desses fenômenos.

O pesquisador explica que os tornados se formam basicamente quando ocorre uma tempestade severa, do tipo supercélula, em áreas planas. Durante esses eventos, o contraste entre massas de ar quentes e frias com diferentes pressões gera a nuvem com forma de cone e movimentos de redemoinho que atinge o solo e devasta o que estiver em seu caminho.

Coletados os registros de ocorrência de tornados, Candido deu início a uma modelagem meteorológica para calcular o risco de tornados no Centro-sul do país. O pesquisador escolheu essa região por ser a que tem mais incidência do fenômeno e também porque uma modelagem do Brasil inteiro requereria computadores mais potentes e tornaria o trabalho de difícil replicação.

Os cálculos mostram que as chances de um tornado ocorrer no Rio Grande do Sul e em São Paulo são parecidas. Tanto nas regiões gaúchas mais suscetíveis (no litoral e o no entorno do lago Guaíba) quanto nas de mais risco em São Paulo (Vale do Paraíba, Campinas, Indaiatuba e Itu), a probabilidade é de cerca de 25% ao ano. No entanto, a área de risco em São Paulo é maior e abrange mais cidades.

Além do padrão espacial, o trabalho identificou um padrão temporal para os tornados. Em São Paulo, o ápice de ocorrência é em maio, quando massas de ar quente do verão se encontram com o ar frio vindo do Sul, podendo dar origem a tempestades severas e, em consequência, aos tornados. Já no Sul, o fenômeno acontece desde a primavera, em outubro, até o fim do verão.

Tornado no Paraná
Destruição provocada por um tornado no norte do Paraná em setembro de 2010. (foto: Roberto Fioritto/ Flickr – CC BY-NC-ND 2.0)

O pesquisador ressalta que a grande incidência de tornados em São Paulo não é natural e está ligada diretamente à urbanização. Segundo ele, as construções de concreto e a poluição favorecem a formação de ilhas de calor que aquecem a atmosfera da região. Isso, aliado ao represamento dos rios, que gera mais umidade no ar, cria condições propícias para a formação de tornados.

“Hoje já não podemos chamar rios como o Tietê de rio, ele é uma associação de lagos artificiais e represas que fornecem mais umidade ao ar. Assim, o ar quente sobe carregando a umidade, condensa na altitude, onde o ar é frio, e forma nuvens de convecção profunda que geram tempestades mais severas”, explica Candido.

Como se prevenir?

O campeão em tornados no mundo são os Estados Unidos. A região central do país é conhecida como Alameda dos Tornados, faixa que inclui Texas, Oklahoma e Kansas, que juntos registraram 15,3 mil tornados de 1950 a 2009. No Brasil, os números são mais tímidos e a potência destrutiva dos eventos é menor.

Enquanto nos Estados Unidos são comuns tornados com ventos de mais de 300 km/h, aqui a maioria deles não supera 200 km/h. Graças a um relevo menos plano, os tornados no Brasil também não avançam muito, durando apenas minutos e não horas.

Enquanto nos Estados Unidos são comuns tornados com ventos de mais de 300 km/h, aqui a maioria deles não supera 200 km/h

Mas existem exceções. Em 30 de setembro de 1991, por exemplo, a cidade de Itu (SP) foi atingida por um tornado apontado como um dos mais violentos já registrados no país. O fenômeno provocou 15 mortes e destruiu casas, plantações e torres de transmissão de energia. Na ocasião, um obelisco de 100 toneladas foi derrubado e carros arrastados por 700 m. Especula-se que os ventos tenham atingido 300 km/h.

Candido lembra que desastres como esses poderiam ser amenizados se o país contasse, como os Estados Unidos, com uma rede de radares Doppler, os únicos capazes de detectar tornados. “O governo federal ou consórcios entre os municípios de risco poderiam investir na criação dessa rede”, diz o geógrafo.

“Com o radar seria possível detectar as supercélulas, que geram tornados, com até uma hora de antecedência. Se houvesse um sistema de alerta, as populações poderiam ser alertadas e atitudes preventivas tomadas. Com esse tempo, vidas poderiam ser salvas. Um dos maiores problemas durante os tornados no Brasil são as telhas de fibrocimento, adotadas principalmente pela população de baixa renda, que são carregadas pelos fortes ventos e atiradas longe em altas velocidades, o chamado efeito míssil.”

No entanto, o meteorologista Osmar Pinto Júnior, coordenador do Grupo de Eletricidade Atmosférica (Elat) do Inpe, acredita que o recém-implantado Sistema Brasileiro de Detecção de Descargas Atmosféricas (BrasilDat), que monitora a formação de raios no país, pode dar conta do recado.

“Radares Doppler são úteis para acompanhar tempestades severas e tornados; contudo, sua informação é equivalente à informação de descargas dentro das nuvens que a nova rede BrasilDat é capaz de detectar”, diz. “A rede, assim como os radares Doppler, permite acompanhar o desenvolvimento de tempestades severas com potencial para a formação de tornados.” A BrasilDat cobre atualmente dois terços do país e a perspectiva é que até 2013 cubra todo o território nacional.

Tornados mais severos registrados no Brasil
– Itu, setembro de 1991: Com ventos de cerca de 300 km/h, derrubou um obelisco de 100 toneladas, arrastou carros por 700 m e provocou 15 mortes. Fortes chuvas associadas causaram blecaute de 18 horas que provocou mais de 300 acidentes de trânsito.
– São Bernardo do Campo, abril de 1991: De menor escala, com ventos de 140 km/h, esse tornado derrubou árvores e tombou 10 caminhões de 25 toneladas cada.
– Indaiatuba, maio de 2005: Filmado pela câmera de uma concessionária rodoviária, foi um tornado multivórtice, ou seja, além do funil central tinha outros menores. Até então esse tipo de tornado só havia sido registrado nos Estados Unidos, país campeão em ocorrências do fenômeno. Casas foram arrancadas do chão, a energia elétrica interrompida pela queda de árvores e 15 mortes registradas. Os ventos chegaram, pelo menos, a 250 km/h.

 

Veja abaixo o vídeo do tornado que atingiu Indaiatuba (SP) em maio de 2005

Sofia Moutinho
Ciência Hoje/ RJ

Texto originalmente publicado na CH 298 (novembro de 2012). Clique aqui para ler o texto que a Ciência Hoje das Crianças preparou sobre esse assunto.

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