A ciência é baseada na experimentação, com a teoria desempenhando papel na produção de um quadro composto, consistente com o máximo de resultados possível. Novas ideias, experimentos e resultados são julgados com base no cenário aceito em dado momento.
É essencial, caso se queira que o entendimento de um assunto seja ampliado, que o cenário aceito seja desafiado de modo inovador e tantas vezes quanto possível. Está também claro que novas ideias – às vezes, parecendo inicialmente ir contra o cenário aceito – devam ser levadas à frente e consideradas por seus méritos.
Na prática, porém, a ciência tem que enfrentar o problema de como lidar com ideias dissidentes e com o desafio de separar especulações e afirmações incoerentes – que aqui denomino ‘dragões’, criatura mítica, atrativa, mas perigosa – de outras que, apesar de posteriormente se mostrarem corretas, sejam inicialmente difíceis de justificar de modo claro.
Na década de 1950, o norte-americano Irving Langmuir (1881-1957), prêmio Nobel de Química de 1932, fez palestra memorável em que cunhou o termo ciência patológica para “a ciência de coisas que não são bem assim”. Ele considerou vários exemplos dessas ideias e estabeleceu ‘regras’ por meio das quais essas especulações ganham apoio, por curto período de tempo, antes de serem postas de lado.
Raios N
O exemplo mais antigo de ciência patológica dado por Langmuir foi o do fenômeno dos raios N, ‘descobertos’ pelo físico francês René Blondlot (1849-1930), em 1903. Esses raios eram emitidos por certos corpos e, em um quarto escuro, podiam aumentar levemente a visibilidade de objetos, como uma folha de papel em branco, postos perto do emissor.
Um gerador de raios N era um tubo de ferro, contendo um fio aquecido, com uma abertura, coberta por uma camada bem espessa de alumínio, opaca à luz.
Muitos artigos foram publicados sobre o tema no primeiro ano depois da descoberta, alguns corroborando o fenômeno; outros discordavam da existência dele. Foi um período de grande atividade na física, com intensa pesquisa sobre radioatividade e raios X.
Pouco depois do anúncio dos raios N, o físico norte-americano Robert Wood (1868-1955) foi escolhido por um grupo europeu para visitar o laboratório de Blondlot. Lá, mostraram a ele o equipamento no qual os raios N estavam sendo estudados. Entre os aparelhos, estava um espectrômetro dotado de um grande prisma de alumínio.
Uma questão preocupava Wood: a alegada precisão [do experimento] não parecia consistente com os tamanhos de certas aberturas pelas quais passava o suposto feixe, bem como com a largura deste último.
Para esses questionamentos, a resposta da equipe de Blondlot era: “Sim, eles não obedecem a regras normais, e isso é o que é interessante neles”.
Depois de uma demonstração ter sido finalizada, Wood perguntou – como se estivesse elocubrando algo – se alguns dos resultados poderiam ser repetidos. A sala foi escurecida, e logo que o experimento recomeçou, Wood removeu o prisma do equipamento, sem que ninguém notasse.
O experimento mostrou, mesmo sem o prisma, resultados similares. Quando Wood contou o que havia feito, os raios N sofreram morte súbita.
Nick Stone
Universidade de Oxford (Reino Unido) e
Laboratório Nacional Oak Ridge (Estados Unidos)