‘O que você quer ser quando crescer?’ Quanto mais desenvolvido for o país onde a pergunta for feita, menor a probabilidade de um estudante responder ‘cientista’.
Na contramão do incentivo à pesquisa, que tem crescido em todo o mundo nas últimas décadas, o interesse dos jovens em se tornar pesquisadores apresenta uma tendência de queda. “Não era assim há 50 anos”, afirma o sociólogo italiano Giuseppe Pellegrini, que integra a comissão científica do centro de pesquisas Observa – Science in Society, com sede em Vicenza.
Vários fatores podem explicar essa tendência, mas o principal desafio para revertê-la está em mudar a forma como temas científicos são apresentados na educação básica. “Do contrário, corremos o risco de perder vários ‘Pelés’ da ciência”, diz o bioquímico Jorge Guimarães, presidente da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes). Em 2008, a instituição assumiu a responsabilidade de criar novas políticas para formação de professores de educação básica no Brasil.
A rejeição dos alunos de ensino fundamental e médio à ciência e o que pode ser feito para mudar essa situação estiveram em pauta na 40ª Reunião Anual da Sociedade Brasileira de Bioquímica e Biologia Molecular, realizada em maio passado em Foz do Iguaçu (PR). Participaram das discussões os pesquisadores Justin Dillon, do King’s College de Londres, Nelio Bizzo, da Universidade de São Paulo (USP), além de Giuseppe Pellegrini e Jorge Guimarães, todos envolvidos com a área de educação.
O principal indicador mundial do desinteresse dos estudantes por ciência faz parte de um projeto de pesquisa comparativo que envolve mais de 45 países e recebe o nome de Rose (acrônimo, em inglês, para ‘Relevância do Ensino de Ciências’). O estudo investiga, por meio de questionários aplicados em estudantes na faixa dos 15 anos de idade, o que jovens que estão concluindo o ensino médio consideram importante no aprendizado de ciência e tecnologia.
O questionário, de 14 páginas, pede, por exemplo, que o aluno avalie o interesse que tem em determinados assuntos ligados a química, física e biologia; indique que aspectos considera importantes haver em um futuro emprego; e aponte o grau de concordância com afirmações como ‘a disciplina de ciências é interessante’ (discordo totalmente, discordo, concordo, concordo totalmente).
No Brasil, a aplicação dos questionários do projeto Rose está em andamento e é feita sob coordenação de Bizzo. A pesquisa envolve 3,6 mil alunos de 120 escolas de todas as unidades federativas e deve estar concluída até o fim deste ano.
Os resultados da Itália, apresentados por Pellegrini, e da Inglaterra, mostrados por Dillon, são bastante semelhantes entre si e revelam que, embora estudantes do sexo masculino e feminino tenham percepções diferentes em relação a temas científicos, em geral se alinham no desinteresse pela disciplina de ciências.
Diante da afirmação ‘gostaria de ser cientista’, a média de discordância é superior à de concordância não só na Itália e Inglaterra, mas também em países como Noruega, Dinamarca, Suécia, Islândia, Finlândia, Japão, Irlanda, Estônia, Letônia, República Tcheca, Polônia, Rússia, Espanha, Portugal, Grécia e Israel.
Entre os aspectos que alunos desses países mais valorizam em um futuro emprego está ‘usar meus talentos e minhas capacidades’ e ‘ganhar muito dinheiro’, características que não coincidem com a visão que têm da profissão de cientista.
O que chama a atenção dos pesquisadores é que quanto menor o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) de um país, mais seus estudantes demonstram interesse em temas ligados a ciência e tecnologia. Em Malawi, Uganda, Gana, Lesoto, Suazilândia, Zimbábue e Botsuana, países em que o IDH está entre os mais baixos do mundo, a maioria dos alunos declarou interesse ou muito interesse em ser cientista.
“É possível que jovens de nações pobres encarem a ciência como solução para os problemas da sociedade”, avalia Dillon, que admitiu não haver ainda uma explicação precisa para essa diferença de mentalidade entre estudantes de países com perfis de desenvolvimento distintos.
Brasil
Embora as pesquisas do projeto Rose ainda não estejam concluídas no Brasil, um estudo piloto, realizado em 2007, dá uma ideia de como o país reflete o cenário mundial. Apesar de utilizar os mesmos questionários, a pesquisa foi considerada piloto por abranger apenas duas cidades: São Caetano do Sul, em São Paulo, e Tangará da Serra, no Mato Grosso.
As localidades foram escolhidas por representar diferentes situações econômicas do país. Enquanto São Caetano do Sul é um dos municípios mais antigos do Brasil, cresce dominado pelo setor de serviços e tem a mais alta renda per capita do país, Tangará da Serra foi fundado há pouco mais de 50 anos, conta com um forte polo agroindustrial e sofre com graves problemas ambientais.
Afirmações como ‘gostaria de ser cientista’ e ‘gostaria de ter um emprego que lide com tecnologia avançada’ foram muito mais aceitas na cidade mato-grossense do que no município paulista. Já asserções do tipo ‘as ciências, para mim, são bastante fáceis de aprender’ tiveram mais respostas positivas dos estudantes de São Caetano do Sul do que dos de Tangará da Serra.
Ou seja, de forma semelhante ao que foi observado na comparação entre países ricos e pobres, o estudo mostrou que quem convive diariamente com avanços científicos e tecnológicos – caso dos sancaetanenses – tem maior facilidade de lidar com matérias de ciência durante a educação básica, mas, por outro lado, tende a ter uma aversão maior a trabalhar com pesquisa no futuro.
Mudanças
Um dos motivos para essa rejeição à ciência estaria na forma como o conteúdo é apresentado aos alunos de educação básica. Os resultados do Rose revelam que os adolescentes, em geral, são mais influenciados por professores de ensino fundamental e médio na escolha do curso superior do que pela família ou amigos. Isso indica que, se se conseguisse formar bons professores de ciências, seria possível despertar mais vocações científicas e atrair mais gente para essas carreiras.
Embora o modelo de ensino esteja ultrapassado, as escolas não são as únicas responsáveis por afastar jovens das carreiras acadêmicas. “A atividade científica exige do pesquisador um foco específico sobre determinado assunto, que, diferente de algumas décadas atrás, não é fácil ter atualmente”, diz o sociólogo italiano. “Hoje há uma quantidade crescente de estímulos que tiram a atenção dos jovens, como internet e telefone celular.”
Para Dillon, a principal mudança pedagógica que deve ser implantada nas escolas está no ensino de ciências, que deveria envolver mais atividades práticas e de laboratório do que se restringir à sala de aula e basear-se exclusivamente em livros. “O estudante precisa saber que cientistas não pertencem a um grupo especial de pessoas, são gente comum.”
No Brasil, os indicadores que serão obtidos até o fim do ano no âmbito do projeto Rose permitirão a entidades como a Capes definir novas estratégias de ensino de ciências na educação básica. Daqui a algumas décadas, quem sabe, a carreira de cientista pode voltar a despertar o interesse dos jovens tanto quanto a de artista ou de jogador de futebol. O futuro da ciência depende disso.
Célio Yano
Ciência Hoje/ PR