Nos próximos anos o Brasil sediará os dois maiores eventos do esporte mundial: a Copa do Mundo de futebol e os Jogos Olímpicos. Sem questionar o significado e a importância política e econômica de sediar eventos como esses, cabe chamar a atenção para algumas questões que poderiam ser esquecidas nesse momento ‘festivo’.
O país acolherá esses dois eventos, o que obviamente é motivo de orgulho, embora o esporte não tenha merecido, ao longo dos anos, grande credibilidade, por parte da sociedade e dos governos brasileiros, como instrumento potencial para o desenvolvimento social ou educativo.
Nas últimas décadas têm sido iniciadas, no país, diversas ações no campo do esporte. O próprio governo federal vem mostrando maior interesse no setor, como indicam projetos e iniciativas dos ministérios da Educação e do Esporte para democratizar o acesso às atividades físicas nas escolas públicas.
Apesar disso, a grande maioria da população não pratica regularmente qualquer tipo de esporte, o que também acontece com a maior parte dos alunos. Ainda não existem no país espaços físicos adequados e suficientes para as atividades esportivas, nem os equipamentos necessários a estas – inclusive, e principalmente, nas escolas.
O cumprimento das políticas e planos para esse setor estabelecidos pelos múltiplos níveis dos governos pode ser classificado como insuficiente e marcado pelo improviso, o que se constata na falta de profissionais qualificados, de ambientes e de materiais e no reduzido número de eventos desse tipo.
Além disso, as ações oficiais quase nunca são acompanhadas por políticas complementares – de alimentação, saúde ou higiene, por exemplo – que permitam sustentar sua continuidade.
O físico e a mente
A educação, como atividade sociocultural organizada, é indispensável à preparação do ser humano para a vida contemporânea. No sistema educacional, a adesão ao esporte depende da promoção de uma cultura que valorize a ‘consciência física e mental’, tomadas de forma complementar, mas indissociável. Por isso, as aulas de educação física não devem privilegiar apenas o aspecto ‘físico’, como acontece correntemente.
A essência humana é constituída por corpo e mente unidos e inseparáveis. Sendo assim, a educação física, entendida sob uma lógica não dualista, deve visar ao desenvolvimento tanto do corpo quanto do espírito, entendido como o conjunto dos dotes morais e intelectuais.
Está mais do que provado que a atividade física regular proporciona benefícios à saúde, atuando sobre todos os sistemas do organismo. Além de levar ao aumento da capacidade muscular e motora e a melhorias nos sistemas circulatório e respiratório, desenvolve o sistema nervoso (habilidades sensoriais, atividade neuronal e outras) e estimula sentimentos de competência, controle, satisfação corporal e redução da ansiedade física e emocional.
Ela estimula o bem-estar físico e psicológico ao melhorar a autoestima e a autoeficácia. As crenças que o indivíduo que pratica atividade física regular forma, a respeito de sua capa cidade de mobilizar motivações e recursos cognitivos e realizar ações, conduzem ao autocontrole, ao autoconceito positivo e à autoconfiança.
Essa prática ainda fomenta hábitos de higiene, de cuidado e de segurança corporais, e de consciência ambiental, por meio da preservação das condições de realização das atividades esportivas.
Inclusão social
Nas escolas, o esporte pode ser um instrumento de transformação social, com base em uma aprendizagem cooperativa, que considere os estudantes capazes de organizar as atividades, estabelecer planos e objetivos, avaliar seus desempenhos e sua persistência, controlar a impulsividade e, principalmente, que os considere capazes de refletir sobre seus processos internos e os meios externos, desenvolvendo melhorias nos planos intelectual e cognitivo por meio da elaboração de estratégias de atuação, antecipação e execução.
O jogo pode ser utilizado como uma ‘ferramenta’ capaz de estimular a inclusão social por meio do aumento da autoestima e da autonomia. Para tanto, é necessário que se busque sempre a participação e o convívio, visando produzir experiências agradáveis e evitar os rigores do esporte competitivo.
Abrir a escola para projetos esportivos significa um grande avanço na busca pelo desenvolvimento integral do aluno. O esporte tem papel de destaque porque promove a integração dos aspectos físico e mental. Essa abertura, porém, exige que o esporte seja utilizado de forma organizada, que haja reflexão sobre suas possibilidades e que seja visto como um campo interdisciplinar.
Em um contexto como o brasileiro, de profundas desigualdades, ele pode ser um método de intervenção social, centrado no desenvolvimento integral dos alunos, por meio da promoção de atividades destinadas a complementar de forma criativa a educação curricular.
Sua prática nas escolas pode configurar um mecanismo de democratização das atividades, ao permitir o acesso, a permanência e a ação cooperativa dos estudantes, incluindo aqueles que de outra forma, fora da instituição escolar, não teriam como usufruir de seus benefícios.
Obviamente, o estímulo à prática do exercício físico não deve ser obrigação exclusiva da escola, mas esta pode ser considerada um local privilegiado porque é nos jovens e nas crianças que o gosto pelo esporte pode ser mais facilmente transformado em hábito para toda a vida.
É verdade que a atividade física e o esporte informal possibilitam aprendizagens e o desenvolvimento de futuros atletas, mas sua prática dentro da escola pode, ainda, propiciar a formação de sujeitos transformadores da realidade social vigente.
Luiz Gustavo Lima Freire
Programa de Pós-graduação em Psicologia da Educação
Universidade de Lisboa