Nem Peri – guerreiro valente idealizado pelo escritor José de Alencar em sua obra O guarani, no século 19 –, nem estereótipos negativos de pessoas indolentes construídos por não índios. Os mais de 650 mil indígenas existentes no Brasil hoje, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), são assim considerados por eles mesmos – e buscam suas conquistas.

Com cerca de 400 terras homologadas e mais de 100 ainda em estudo, segundo dados da Fundação Nacional do Índio (Funai), os indígenas brasileiros preparam agora sua entrada sistemática também no ensino superior – e não apenas em universidades convencionais.

Hoje, há cerca de 7 mil indígenas em universidades públicas brasileiras que entraram por meio de ações afirmativas – cotas, acréscimo de vagas ou de pontos no vestibular. Das 65 universidades que adotam essas políticas, 40 beneficiam indígenas – que compõem 26% de todos os beneficiados.

Há também 26 cursos de formação de professores direcionados para indígenas espalhados pelo país, chamados licenciaturas interculturais. “E não é só: há também projetos de descentralização dos campi das universidades, que permitem o acesso regular de indígenas sem a necessidade de cotas”, conta Gersen Baniwa, coordenador geral de Escolaridade Indígena do Ministério da Educação (MEC).

Ideia da universidade indígena foi lançada em 2000 e agora é recuperada com mais força pelos grupos indígenas do alto rio Negro

Se o MEC frisa seu esforço de reforçar a inserção de indígenas nas instituições de ensino superior do país, estes – aliados a pesquisadores e ONGs – querem ir além. Muito se tem falado da criação de uma ‘universidade indígena’, ideia lançada primeiramente no ano 2000, no Mato Grosso, e agora recuperada com mais força pelos grupos indígenas do alto rio Negro.

Ainda não existe uma proposta ou conceito único para sua criação – eles são tantos quanto as vozes presentes na temática indigenista –, mas um consenso é que essa instituição valorizaria os saberes tradicionais indígenas e os somaria ao conhecimento dito científico, dominante nas universidades convencionais.

Terras e salas de aula

A ideia de uma universidade indígena seria impensável antes da década de 1980. Foi apenas na Constituição Federal de 1988 que os direitos indígenas foram instituídos, tanto em relação à terra quanto à educação. “A partir daí, houve um fortalecimento da identidade indígena e muitas comunidades passaram a se identificar novamente como índios”, conta o antropólogo Paulo Maia, da Universidade Federal de Minas Gerais.

Nessa época, foi criada a Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro (FOIRN) e começaram as disputas pela demarcação de terras e a demanda pela educação diferenciada. “Esse processo vem se cristalizando da década de 1990 até hoje”, completa Maia.

Na região do alto e médio rio Negro, são reconhecidas cinco terras indígenas, que somam mais de 10 milhões de hectares e abrigam cerca de 30 mil índios. Há o grupo baré, que já não fala mais sua língua (aruaque), mas sim o inhengatu (mistura de tupi com português); os baniwas; os warekena; e povos de língua tukano.

Paralelamente à longa luta por reconhecimento, finalizada em 1998 com a homologação das terras da região (cinco terras indígenas contíguas, com mais de dez milhões de hectares de extensão), houve tentativas de desenvolver escolas diferenciadas.

São cinco escolas diferenciadas, com grades curriculares baseadas nas culturas locais e voltadas para a valorização dos conhecimentos tradicionais

“Hoje, elas são cinco – com grades curriculares baseadas nas culturas locais e voltadas para a valorização dos conhecimentos tradicionais”, comenta o antropólogo Geraldo Andrello, da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) e sócio do Instituto Socioambiental (ISA), organização não governamental que, em parceria com a FOIRN, ajuda a implementar projetos indígenas na região.

Andrello também faz parte da iniciativa recente de se discutir a criação de uma universidade indígena no alto rio Negro. Em 2010, o ISA e a FOIRN realizaram três seminários para debater como seria essa instituição. Ainda não há uma proposta formalizada, apenas ideias sendo estudadas por um grupo de trabalho específico – do qual o antropólogo Paulo Maia, da UFMG, faz parte. 

 

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Isabela Fraga
Ciência Hoje/ RJ

Texto originalmente publicado na CH 279 (março de 2011).

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