A história da psiquiatria é recheada de tentativas de alívio de sintomas que, muitas vezes, geraram mais sofrimento ou eram puramente inócuas. Assim, da mesma forma que surgiram, essas iniciativas foram repudiadas ou esquecidas. A introdução de métodos que provocavam convulsão por estímulo elétrico e mostravam ação terapêutica psiquiátrica tem uma história diferente. Além de não gerar sofrimento, dor ou sensação de choque elétrico, o método, ainda hoje, é reconhecido pela comunidade científica como o mais eficaz para a depressão grave – apesar da disponibilidade de vários medicamentos antidepressivos e do fato de a mídia frequentemente apresentar o ‘eletrochoque’ como uma espécie de tortura que ‘maus’ médicos realizam em pacientes psiquiátricos.
Essa desinformação vem de uma associação imaginária: i) com a cadeira elétrica, que não tem nenhuma relação com o tratamento; ii) com métodos verdadeiros de tortura política que usam choques elétricos em diferentes partes do corpo, nos quais o torturado sente horríveis dores; iii) com o próprio nome ‘eletrochoque’, que não ajuda em nada a imagem dessa terapia.
Em unidades de tratamento intensivo em cardiologia, usa-se choque de grande intensidade no tórax do paciente para reverter uma arritmia ou uma parada cardíaca; no entanto – e paradoxalmente –, não se questiona o uso de uma corrente elétrica e de seu consequente choque nessas ocasiões.
Na psiquiatria, a história da eletroconvulsoterapia (ECT) – termo técnico para eletrochoque ou eletrochoqueterapia – iniciou-se com base na observação errônea de que crises de epilepsia e esquizofrenia não poderiam conviver no mesmo indivíduo, pois seriam condições mutuamente excludentes. A ideia errônea concluía que, ao se provocar uma convulsão, o paciente ficaria livre da esquizofrenia. Essa observação tinha dados clínicos e de autópsias de cérebros de pacientes com ambos os diagnósticos. À época, no entanto, os métodos diagnósticos não estavam tão desenvolvidos, exames complementares eram praticamente inexistentes, e as noções de comorbidade (ocorrência de mais de uma doença em um indivíduo) eram esparsas e muito criticadas.
O desenvolvimento desses métodos convulsivantes ganhou impulso nas primeiras décadas do século passado, quando o médico húngaro Ladislas von Meduna (1896-1964) começou a tratar com sucesso catatônicos e pessoas com outros subtipos de esquizofrenia com convulsões induzidas por uma suspensão oleosa de cânfora administrada por via muscular. Porém, o período de espera entre a administração da cânfora e a aparição da crise convulsiva era caracterizado por grande ansiedade, dor no local da injeção, desconforto físico, inquietação psicomotora e sensação de morte iminente.
Em 1934, foi introduzida uma substância solúvel em água (pentametilenotetrazol) que podia ser administrada por via endovenosa, encurtando ou abolindo o período de latência. Mesmo assim, os efeitos indesejáveis eram inúmeros: endurecimento (esclerose) de veias, período de latência de 5 a 30 minutos para a crise e casos de ausência de crise (e do efeito terapêutico), forçando a repetição do procedimento.
Por meio elétrico
O uso de convulsões eletricamente induzidas – ou seja, da ECT – foi feito pelos médicos italianos Ugo Cerletti (1877-1963) e Lucio Bini (1908-1964), em Roma, em 1938. A indução de crise convulsiva por meio elétrico, não invasivo, mostrou ser mais segura, rápida e levar a poucos efeitos colaterais.
A partir de então, a ECT passou a ser considerada a única terapia biológica eficaz no tratamento de muitos transtornos psiquiátricos e, por duas décadas, até o final da década de 1960, foi o tratamento psiquiátrico mais usado para casos graves. No entanto, com o sucesso progressivo dos medicamentos psicotrópicos, o uso da ECT foi diminuindo, ficando reservado a quadros mais graves e específicos – em geral, relacionados à depressão.
Essa subutilização se deve a uma série de fatores. Alguns deles: i) forte pressão do chamado Movimento Antipsiquiátrico da década de 1960 contra a ECT, somada a campanhas que a detratavam na mídia e à manifestação de leigos que apresentavam a terapia não como intervenção terapêutica, mas como punição para os comportamentos desviantes; ii) casos de abusos médicos no uso da ECT, sem indicações precisas ou como método errado de sedação do paciente; iii) crenças infundadas de que a ECT causaria ‘dano cerebral irreversível’.
Atualmente, o método de aplicação da ECT evoluiu muito. Está mais seguro e não traz nenhum tipo de sofrimento ao paciente. O desconforto psicológico do paciente é abolido ou minimizado com o uso de anestésicos. Luxações e fraturas ósseas são evitadas com o uso de substâncias que causam relaxamento muscular e cujos efeitos são de curta duração.
Quando se propõe a ECT a um paciente ou a seu responsável, todos os esclarecimentos devem ser prestados, englobando riscos potenciais e benefícios esperados. Inclusive, a ECT está indicada em casos graves de depressão na gestação. Não há qualquer tipo de risco ao feto, nem mesmo indução do parto ou de aborto: na gravidez, a ECT é muito mais segura que o uso de antidepressivos. Ela é contraindicada quando há aumento de pressão intracraniana, arritmias cardíacas graves e infarto de miocárdio recente.
Indicações terapêuticas para a ECT: i) tentativa ou ideia prevalente de suicídio; i) depressão grave; iii) agitação grave; iv) esquizofrenia refratária – ou seja, que não responde a medicamentos e tratamentos convencionais; v) síndrome catatônica (quadro marcado por imobilidade, mutismo e falta de reação a estímulos externos).
Antonio Egidio Nardi
Instituto de Psiquiatria
Faculdade de Medicina
Universidade Federal do Rio de Janeiro