Farmacogenômica: a genética dos medicamentos

Farmacogenômica? Farmacogenética? Esses termos e conceitos podem parecer novos, mas é provável que os leitores já tenham ouvido relatos ou vivenciado experiências associadas a esse tema. São exemplos frases como “aquele remédio foi bom para mim, mas não fez efeito no meu primo”, ou “ela não pode tomar remédios com aspirina ou penicilina porque tem alergia”.

Tais situações decorrem da variabilidade da resposta das pessoas aos medicamentos, o que, em boa parte, se deve a fatores genéticos. É dessa questão que se ocupam a farmacogenética ou a farmacogenômica, termos usados aqui como sinônimos. A variabilidade da resposta a remédios afeta os efeitos terapêuticos destes e as reações adversas (indesejadas), de forma que a mesma dose de um mesmo medicamento pode ser benéfica para um paciente mas ineficaz — ou, no pior cenário, tóxica — para outro, embora os dois tenham recebido o mesmo diagnóstico clínico.

A primeira referência à variabilidade da resposta farmacológica é atribuída ao matemático grego Pitágoras (c.580-c.500 a.C.), que descreveu, em 510 a.C, a intoxicação provocada por determinadas favas em alguns, mas não em todos os indivíduos que as ingeriam.

No entanto, a farmacogenética moderna tem suas origens em meados do século 20, com a demonstração de associações entre alterações genéticas e efeitos dos medicamentos. Essa área de estudos, que evoluiu muito nas últimas cinco décadas, foi recentemente rebatizada como farmacogenômica, e sua maior promessa é contribuir para a individualização da terapêutica, ou seja, a prescrição do medicamento certo e na dose adequada para cada indivíduo, com base no conhecimento dos fatores genéticos que regulam a farmacocinética e a farmacodinâmica dos medicamentos.

De início, a farmacogenética explorou processos farmacocinéticos, principalmente a biotransformação dos medicamentos. Um dos trabalhos mais importantes desse período foi o do farmacólogo alemão Werner Kalow, da Universidade de Toronto (Canadá), sobre a ‘apnéia (interrupção da respiração) prolongada’, provocada pelo composto succinilcolina. Esse medicamento é usado durante a anestesia geral para causar relaxamento (‘paralisia’) da musculatura esquelética, especialmente dos músculos respiratórios.

Normalmente, os efeitos da succinilcolina duram apenas alguns minutos, devido à sua rápida destruição pela enzima colinesterase, presente no plasma sangüíneo. Para manter a paralisia muscular é preciso injetar continuamente o composto no sangue. Quando a infusão é interrompida, a grande maioria dos pacientes volta a respirar espontaneamente em poucos minutos. No entanto, em alguns casos (raros, felizmente!) isso só ocorre após muitas horas, ou seja, há uma ‘apnéia prolongada’. Kalow demonstrou que isso se deve a alterações do gene da colinesterase, que se torna incapaz de destruir a succinilcolina.

Em um segundo momento, a farmacogenética passou a incluir a farmacodinâmica. Um exemplo destacado tem, novamente, a succinilcolina como protagonista e a Universidade de Toronto como um dos principais cenários. Foi observado, nos anos 60, que essa droga causava contraturas musculares em alguns pacientes (cerca de um em cada 30 mil) — efeito oposto ao relaxamento muscular esperado. O mais grave é que as contraturas vinham acompanhadas de um aumento intenso da temperatura corporal (hipertermia) e de arritmias cardíacas, muitas vezes fatais.

Essa síndrome (conjunto de sinais e sintomas) foi denominada hipertermia maligna e sua causa é um aumento aberrante da concentração do cálcio no interior das células que compõem as fibras musculares. A ocorrência do problema depende de duas condições: 1. predisposição genética, relacionada a polimorfismos associados ao receptor de rianodina, proteína que regula a concentração de cálcio dentro das células; 2. exposição a determinados medicamentos, entre os quais a succinilcolina.

 
Guilherme Suarez-Kurtz
Instituto Nacional de Câncer (RJ)

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