Impactos! O ‘jogo de bilhar’ no espaço

Em 1994, o choque do cometa Shoemaker-Levy com a superfície de Júpiter foi fotografado pelo Telecópio Espacial Hubble e acompanhado pelos cientistas (fotos: Hubble / Nasa).

O estudo das crateras produzidas nas superfícies da Terra, da Lua e de outros planetas do sistema solar pelo impacto, no passado, de cometas e asteróides, pode nos ensinar muito sobre a história evolutiva do nosso e de outros mundos. A presença de tais cicatrizes também nos lembra que a humanidade não está livre dos efeitos de um impacto de proporções catastróficas, como os ocorridos em outros tempos, constatados em pesquisas geológicas. Conhecer em detalhes esse fenômeno e detectar no espaço possíveis candidatos a choques pode ajudar a prever novos impactos e tentar preveni-los ou ao menos reduzir o desastre.

 
Nos últimos tempos, filmes com Armagedon e Impacto profundo ampliaram para todo o mundo uma preocupação antes restrita a cientistas: pode um grande asteróide atingir a Terra em futuro próximo? A preocupação é válida: só o cinturão de asteróides localizado entre Marte e Júpiter abriga incontáveis corpos de dimensões variadas que, em seu movimento aparentemente calmo, podem se chocar e alterar suas velocidades e rotas, lançando-se como bolas de bilhar em direção à caçapa – e esta pode ser o nosso planeta. Esse ‘jogo de bilhar’ interplanetário já marcou muitos pontos no nosso planeta (ver ‘Crateras de impacto’, em CH 163 ) e na vizinha Lua, que exibe mais de 30 mil crateras de impacto causadas por essas colisões.
 
Em 1996, os jornais noticiaram a passagem de um asteróide, com cerca de 500 m de diâmetro, a apenas 446 mil km da Terra, distância pouco maior que a da Lua. Em termos astronômicos, passou raspando! O asteróide só foi detectado, em imagens do céu, após sua passagem. Hoje, astrônomos de todo o mundo, longe do sensacionalismo ‘hollywoodiano’, trabalham na detecção dos asteróides e cometas que, potencialmente, oferecem risco de colisão com a Terra.
 
As pesquisas sobre as formas circulares vistas na Lua, frutos de tais colisões, foram iniciadas pelo matemático e astrônomo italiano Galileu Galilei (1564-1642) em 1610. No trabalho intitulado Sidereus nuncius ( Mensageiro sideral ), Galileu mostrou que a superfície da Lua é repleta de impressionantes estruturas circulares, mas não especulou sobre os processos que as teriam gerado. O primeiro a levantar hipóteses sobre a formação das estranhas feições foi o astrônomo e matemático inglês Robert Hooke (1635-1703). Em seu eclético livro Micrographia , de 1665, Hooke comparou as crateras da Lua a pequenas cavidades que se formam na superfície de materiais instantaneamente fundidos, sugerindo que as estruturas circulares seriam o resultado de erupções vulcânicas lunares.
 
Não satisfeito, Hooke fez alguns experimentos lançando pequenos fragmentos de rocha e esferas de barro contra uma superfície plana composta de uma mistura de argila e água. Esses pequenos impactos produziram pequenas crateras semelhantes às lunares. No entanto, a hipótese de que as crateras seriam formadas por impactos de corpos extralunares foi facilmente descartada, pois, na época, o espaço interplanetário era considerado vazio e não havia uma explicação sobre a origem dos corpos que teriam se chocado com o nosso satélite.
 
Os trabalhos que se seguiram ajudaram, por muito tempo, a reforçar a hipótese do vulcanismo lunar, até que, em 1829, o físico e astrônomo bávaro Franz von Gruithuisen (1774-1852) sugeriu, mais uma vez, que as crateras da Lua seriam o produto de um bombardeio cósmico em tempos remotos. Infelizmente, alguns anos antes, Gruithuisen havia anunciado a descoberta de homens, animais e até uma cidade em ruínas na Lua, a qual descrevia em minuciosos detalhes! Não é difícil imaginar por que suas teorias não foram levadas a sério.
 
Outras teorias se seguiram até que o famoso geólogo norte-americano Grove K. Gilbert (1843-1918), em 1893, investigou detalhadamente a morfologia de várias crateras da Lua, concluindo que aquelas feições só poderiam ser explicadas pela teoria dos impactos. Após uma longa e exaustiva bateria de testes, Gilbert conseguiu mostrar que apenas colisões entre dois corpos poderiam formar crateras como as lunares. Em 1921, o geofísico alemão Alfred Wegener (1880-1930) – que ficaria famoso pela teoria da deriva continental – publicou resultados semelhantes aos de Gilbert.
 
Embora os dois cientistas tenham concluído que as crateras lunares teriam sido produzidas por impactos, seus resultados não foram reconhecidos pela comunidade científica da época. O problema é que os impactos deviam ser verticais para produzir as formas circulares vistas na Lua. Em seus experimentos, tanto Gilbert quanto Wegener observaram que só impactos verticais (em que o corpo atinge o alvo em uma trajetória perpendicular) produziam crateras perfeitamente circulares, e que impactos oblíquos, invariavelmente, geravam crateras elípticas, diferentes de quase todas as da Lua. Não havia como explicar, em detalhes, como todos os impactos na Lua teriam sido verticais. Assim, essa hipótese foi abandonada durante muito tempo. Apenas em meados do século 20, com o entendimento da mecânica de formação dessas estruturas, ela foi aceita. Sabe-se hoje que, a altas velocidades (como as de asteróides e cometas), mesmo impactos oblíquos produzem feições circulares perfeitas.
 
Em 1946, o norte-americano Robert Dietz (1914-1995) aplicou técnicas geológicas ao estudo das crateras e concluiu que a origem das existentes na Lua tinha que estar relacionada a impactos cósmicos. A maior contribuição, porém, foi dada pelo astrônomo norte-americano Ralph B. Baldwin (1912-), em 1949, no livro The face of the Moon ( A face da Lua ). Baldwin coletou e comparou dados sobre as dimensões de crateras na Lua, caldeiras vulcânicas terrestres e crateras produzidas por explosões em testes militares.
 
Sua análise demonstrou a incrível semelhança entre as crateras lunares e as decorrentes de explosões – estas muito distintas das caldeiras vulcânicas da Terra, intensamente estudadas nessa época. Tais resultados convenceram grande parte dos cientistas que até então eram céticos em relação à hipótese dos impactos e mantinham a origem vulcânica para as crateras da Lua. Mais recentemente, o estudo de crateras de impacto tomou grande impulso com as missões espaciais (tripuladas ou não) que permitiram investigar diretamente essas crateras. A última missão do programa Apolo (a Apolo 17), em dezembro de 1972, levou à Lua o geólogo Harrison Schmitt, único cientista a pisar o solo lunar até hoje.
 

É interessante notar que a teoria dos impactos, levantada já em 1665 por Hooke, levou quase 300 anos para ser aceita na comunidade científica! Em ciência é essencial o uso da imaginação e da criatividade, mas o método científico baseia-se em fatos, e os fatos baseiam-se em provas e argumentos, os quais sustentam uma teoria. Muitas vezes a busca dessas evidências é uma tarefa árdua e pode levar muito tempo.

Cristiano Lana
Department of Earth Science and Engineering,
Imperial College (Londres)
Rafael Romano
e João Hippertt

Departamento de Geologia,
Universidade Federal de Ouro Preto (MG).

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