A medicina assistida por computadores já é uma realidade entre os profissionais de saúde. Um modelo computacional recentemente desenvolvido no Laboratório Nacional de Computação Científica (LNCC), em Petrópolis (RJ), é um bom exemplo disso. Com o auxílio da informática, os pesquisadores da instituição fizeram um mapeamento tridimensional completo da estrutura vascular arterial humana, com mais de 2.100 artérias representadas.
Além de reproduzir a anatomia humana, o mapa 3D, batizado de Adan, apresenta o comportamento cardiovascular de forma funcional. Por isso, pode se tornar um diferencial no tratamento e no diagnóstico de doenças cardiovasculares – a principal causa de morte no mundo –, pois oferece aos médicos informações importantes, como as curvas de pressão e fluxo sanguíneo em cada ponto das artérias.
Segundo o engenheiro eletromecânico Pablo Javier Blanco, coordenador do Projeto do Laboratório de Modelagem Hemodinâmica (HeMoLab), do LNCC, essas informações podem ser obtidas após fornecer ao modelo variáveis hemodinâmicas globais para calibração, como medidas de pressão e fluxo sanguíneo, além de frequência cardíaca, entre outras. À medida que são necessárias análises mais detalhadas, devem ser fornecidos mais dados do paciente.
Com essas informações, é possível verificar, por exemplo, a possibilidade de ocorrer acidentes cerebrovasculares e infartos. Isso é feito por meio da simulação do sistema cardiovascular com o modelo de computador, que se baseia em um sistema cardiovascular padrão masculino. Por meio da simulação do fluxo sanguíneo nas artérias coronárias que apresentam estenoses (estreitamentos anormais) em determinadas regiões, é possível avaliar a severidade funcional da estenose e, com isso, o risco de infarto de miocárdio.
“Para isso, seria necessário fornecer ao modelo valores de pressão arterial sistólica e diastólica do paciente, assim como uma imagem de tomografia computadorizada, de forma a fazer uma análise específica para a árvore coronária daquele paciente”, exemplifica Blanco.
O modelo tridimensional é adaptável para o sexo feminino e para pacientes com anomalias anatômicas na estrutura vascular. Para isso, basta calibrá-lo com informações obtidas em exames de pulso e pressão, medições da frequência cardíaca e fluxo sanguíneo, entre outras.
Complemento no diagnóstico
Blanco explica que a ideia dos pesquisadores é que o sistema Adan sirva como um complemento aos métodos atuais de diagnóstico de acidentes vasculares, que normalmente são exames mais complexos e demorados, como o cateterismo. “Não falamos de vantagem no uso desse recurso, mas de complementaridade. Os modelos computacionais podem fornecer informações complementares que nunca poderiam ser obtidas de forma invasiva”, esclarece o pesquisador.
O modelo desenvolvido no HeMoLab está sendo testado por médicos do Hospital de Transplantes Dr. Euryclides de Jesus Zerbini, de São Paulo, e do Instituto do Coração, da Universidade de São Paulo (USP). Nesses locais, o sistema Adan vem sendo utilizado em pesquisas para fornecer informações sobre o escoamento sanguíneo em casos de aneurismas cerebrais e na avaliação de riscos de isquemia de miocárdio – diminuição da passagem de sangue pelas artérias coronárias.
Os testes têm apresentado resultados positivos. “Ao compararmos as predições do modelo com as medidas obtidas de pacientes, temos observado que o modelo tem altíssima capacidade de descrição e predição do comportamento do sistema cardiovascular”, explica Blanco.
Além disso, os pesquisadores disponibilizaram uma versão aberta do modelo na internet que pode ser acessada por médicos, ou ainda por qualquer usuário, interessados em avaliar o modelo e os resultados de suas simulações.
O uso de sistemas tridimensionais desenvolvidos em computador na medicina é uma tendência mundial e vai além da especialidade cardiovascular. “Atualmente, temos linhas de trabalho que envolvem o sistema cardiorrespiratório, assim como o estudo da fisiologia renal e dos mecanismos de regulação associados”, conta o pesquisador.
Lucas Lucariny
Ciência Hoje/ RJ
Texto originalmente publicado na CH 319 (outubro de 2014). Clique aqui para acessar uma versão parcial da revista.