Arqueólogos do Instituto Anchietano de Pesquisas, da Universidade do Vale do Rio Sinos (Unisinos), em São Leopoldo (RS), estão desvelando um passado ainda desconhecido de nossa história. Recentemente eles encontraram estruturas subterrâneas que podem ter servido de moradia para povos antigos que habitavam o Sul do Brasil.
Os sítios estão no interior de Santa Catarina, no município de São José do Cerrito, cerca de 300 km a oeste de Florianópolis. Ao observador desatento, são apenas buracos – de aproximadamente 20 m de diâmetro por sete de profundidade. Mas, para os estudiosos, trata-se de um legado arqueológico importante, com informações valiosas sobre povos que viviam nos planaltos sulinos no início da era cristã.
“Trabalho com estruturas subterrâneas desde a década de 1960, e esse é com certeza um dos sítios mais especiais que já vi”, conta o padre Pedro Ignácio Schmitz, coordenador da pesquisa.
É fácil entender o entusiasmo de Schmitz. É que os sítios encontrados até agora tinham apenas uma, no máximo duas casas. Mas o sítio de São José do Cerrito tem nada menos que 104 estruturas. São buracos dispostos de forma circular, estando todos eles a 400 m equidistantes do centro.
A hipótese mais aceita é a de que tais buracos funcionavam como sistemas de moradia. “Ainda não temos certeza disso, mas todos os indícios apontam nessa direção”, pondera Schmitz.
Os construtores dessas aldeias jamais desenvolveram sistemas de escrita, e hoje tudo o que sabemos sobre eles é baseado em vestígios materiais que deixaram. E, infelizmente, mesmo esses vestígios são escassos.
“Não estamos encontrando qualquer tipo de objeto”, lamenta o arqueólogo da Unisinos. Isso sugere que esses povos usavam artefatos construídos provavelmente em palha ou madeira, materiais que não resistem à ação do tempo.
Colonizadores do Sul
Acredita-se que os responsáveis por essas construções tenham sido grupos indígenas oriundos do planalto central – que, paulatinamente, foram migrando para as terras sulinas. Esse êxodo deve ter acontecido nos primeiros séculos de nossa era, e é provável que, por volta de 600 d.C., territórios que compreendem hoje Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul já estivessem ocupados por esses povos.
“É interessante notar que a história de migração desses grupos acompanha a história de migração do pinheiro araucária [Araucaria angustifolia]”, destaca Schmitz. “Graças a estudos de sedimentos do pólen dessa árvore, sabemos que ela era abundante nos planaltos do Brasil central e, aos poucos, foi se disseminando para terras meridionais, onde hoje predomina”, relata o arqueólogo.
Segundo ele, foi exatamente essa a rota migratória seguida pelas populações que construíram as estruturas subterrâneas recém-descobertas. “Imaginamos, portanto, que o pinhão era fundamental para seu sustento”, conclui.
Do ponto de vista étnico, estudiosos supõem que as aldeias subterrâneas foram construídas por uma civilização que deu origem às etnias caingangue e xoclengue, que descendem de um tronco comum.
Prova disso é que ambas compartilham traços semelhantes em suas línguas, costumes e tradições. E, por longo tempo, tiveram o pinhão como alimento básico. A propósito, até o século 19, indígenas caingangues tinham o hábito de marcar o tronco de seus pinheiros com sinais próprios, indicando as árvores que pertenciam àquele grupo. Era uma forma de tentar proteger sua fonte de alimentação de eventuais invasores.
Hoje existem cerca de 25 mil índios caingangues no Brasil. Eles vivem nas terras altas que se estendem desde São Paulo até o Rio Grande do Sul e são um dos maiores grupos étnicos do país. Os índios xoclengues, por sua vez, são cerca de mil. Seu território restringe-se à reserva indígena Duque de Caxias, no município catarinense de Ibirama. É uma etnia à beira da extinção.
Henrique Kugler
Especial para Ciência Hoje/PR
Texto publicado originalmente na CH 272 (julho/2010)