“Ou o Brasil acaba com a saúva ou a saúva acaba com o Brasil”
Auguste de Saint-Hilaire (naturalista francês, 1779-1853)

Ninho de saúvas na floresta atlântica nordestina, onde a densidade de colônias é cerca de 20 vezes maior do que nas áreas conservadas da floresta amazônica (foto: Inara Roberta Leal).

A mata atlântica é hoje uma das florestas tropicais mais devastadas do planeta, reduzida a algumas poucas áreas remanescentes, em geral descontínuas. Esse processo de fragmentação pode ser a causa do aumento da densidade de saúvas, o que ameaçaria ainda mais esse bioma já fragilizado.

De acordo com um estudo da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), em parceria com pesquisadores da Universidade de Kaiserslautern, na Alemanha, a densidade de colônias de saúva em remanescentes pequenos e mesmo em bordas de grandes áreas da floresta atlântica nordestina é cerca de 20 vezes maior do que nas áreas conservadas da floresta amazônica.

A pesquisa analisou a população de duas espécies de saúvas (a saúva-limão e a saúva-da-mata) em remanescentes de floresta em Pernambuco e Alagoas desde 2001, e concluiu que o crescimento das colônias pode ser conseqüência da maior oferta de alimentos. Com a fragmentação, há um predomínio de plantas de luz, ou pioneiras, em detrimento das plantas de sombra, próprias de florestas maduras e conservadas. As plantas de luz crescem mais rapidamente, mas sem incorporar as defesas naturais contra predadores.

“As plantas pioneiras não contêm compostos secundários, como terpenóides, que funcionam como defesas contra os organismos que comem suas folhas”, explica a bióloga Inara Roberta Leal, do Departamento de Botânica da UFPE. “Tendo mais plantas sem defesas nas proximidades dos ninhos, as formigas gastam menos energia para buscar seus alimentos e mais energia para a produção de rainhas, o que, por sua vez, leva a um maior número de colônias adultas”.

O desaparecimento de inimigos naturais das saúvas provocado pela degradação do ambiente é, segundo a pesquisadora, uma causa adicional da proliferação da espécie. “Predadores das saúvas, como tatus, tamanduás e algumas aves estão sumindo por conta da diminuição das florestas. As moscas forídeas, parasitas que atacam essas formigas, também estão desaparecendo”, afirma. “Com mais alimento e menos inimigos naturais, as populações de saúva dessa região estão alcançando densidades nunca observadas”, sintetiza Leal.

Apesar de os estudos se concentrarem na floresta atlântica do Nordeste, ela observa que há indícios de que o aumento da densidade de saúvas esteja acontecendo também nas áreas de floresta atlântica do Sudeste e nas áreas desmatadas na Amazônia. Esse aumento pode gerar prejuízos à agricultura, pois grande parte das áreas de florestas desmatadas dá lugar a plantações. “As saúvas são consideradas verdadeiras pragas para a agricultura, e os agricultores, em geral, dão preferência ao uso de agrotóxicos no lugar do controle biológico desses insetos, o que pode causar danos ambientais, como contaminação das nascentes e do solo”, alerta.

Recuperação mais difícil
Segundo a pesquisadora, esse desequilíbrio dificulta a recuperação das áreas desmatadas. Para manter as colônias adultas, é necessária uma grande quantidade de folhas, o que leva as formigas a abrir verdadeiras clareiras sobre seus ninhos e nas trilhas onde buscam seus alimentos. Com áreas de maior penetração de luz, há um aumento do número de plantas pioneiras, dificultando o ‘amadurecimento’ da floresta, processo conhecido como sucessão ecológica.

A pesquisadora afirma que nas regiões onde a floresta consegue amadurecer há um decréscimo na população de saúvas. “Intervir no sentido de acelerar o processo de sucessão da floresta pode ser uma saída para se contornar o problema”, comenta. “Mas, para que isso aconteça, é preciso que não haja outras perturbações no ambiente, como corte descontrolado de madeira, caça e queimadas.”

Igor Waltz
Ciência Hoje / RJ

 

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