A tuberculose, doença conhecida desde épocas remotas, persiste como um dos mais relevantes problemas de saúde humana do mundo atual, em especial nos países em desenvolvimento ou pobres – e, nesses, entre os mais pobres. Na década de 1980, o surgimento da pandemia de HIV/Aids (a infecção pelo HIV aumenta a predisposição para a tuberculose) e as sucessivas crises econômicas, que pioraram as condições de vida da população, mesmo em países desenvolvidos, ampliaram a incidência dessa antiga enfermidade e dificultaram seu controle. Em muitos países, a tuberculose ressurgiu. 

A história do conhecimento sobre as causas da doença é importante para que se entenda como foram concebidas as ideias e as formas de controlá-la. Essa história é marcada por um evento de grande importância nas ciências biomédicas: em 1882, o grande bacteriologista alemão Robert Koch (1843-1910) anuncia ter identificado e cultivado o agente causador da tuberculose humana: o Mycobacterium tuberculosis.

Desafios persistem

Não há dúvida de que a descoberta de Koch é de extrema importância para o conhecimento científico em geral e para o estudo da tuberculose em particular. Mais de 130 anos depois, no entanto, apesar de todos os avanços científicos e tecnológicos que ela possibilitou (métodos de diagnóstico, vacinas e tratamentos), a tuberculose ainda aflige a humanidade, desafiando todos os que acreditaram em seu controle e até em sua erradicação.

Muitos acreditam que o esforço de controle da tuberculose só poderá ser reorganizado, adotando-se novas estratégias, se encontrarmos explicações convincentes sobre sua persistência

Esse fato nos obriga a uma reflexão profunda. Muitos acreditam que o esforço de controle da tuberculose só poderá ser reorganizado, adotando-se novas estratégias, se encontrarmos explicações convincentes sobre sua persistência, ou ressurgência. 

Antes da descoberta de Koch existiam outras explicações sobre as causas da tuberculose, e uma delas já a considerava uma doença dos pobres e dos trabalhadores, submetidos a condições de vida precárias. Em apoio a essa ideia, a literatura científica registra, desde aquela época, grande quantidade de evidências que ligam a ocorrência da doença a fatores sociais e ambientais, como pobreza, desigualdade social, baixa escolaridade, desnutrição e vida em habitações precárias ou com alta aglomeração. A incidência da tuberculose é consistentemente mais alta entre os mais pobres.

Na história dessa linhagem de estudos, merece registro especial outro momento, ocorrido quase 100 anos após a descoberta de Koch. Esse momento foi a publicação, em 1979, por Thomas McKeown (1912-1988), conceituado epidemiologista inglês, do livro O papel da medicina – sonhos, miragem e nêmeses, cujo conteúdo gera polêmica até os dias atuais. Entre outros problemas de saúde, McKeown analisou o histórico das taxas de mortalidade por tuberculose na Inglaterra, de meados do século 19 até o início da década de 1970 (portanto, antes da ressurgência da doença), observando que a tendência de redução dessas taxas, na população inglesa, já era marcante na primeira metade do século 19 e se manteve em queda por todo o período analisado. 

Tuberculose gráfico
Histórico da taxa de mortalidade por tuberculose na Inglaterra entre 1830 e 1970, com destaque para momentos importantes na história do combate à doença. (imagem: Adaptada de McKeown/ 1979)

No gráfico acima estão ainda indicados eventos relevantes do combate à doença, como a identificação do bacilo por Koch (1882) e o uso de quimioterápicos e da vacina BCG – o primeiro fármaco desenvolvido para tratamento da tuberculose foi a estreptomicina, na década de 1940, e a aplicação em massa da vacina, na Inglaterra, só começou em 1953, embora ela existisse há cerca de 30 anos.

A aplicação em massa da vacina, na Inglaterra, só começou em 1953, embora ela existisse há cerca de 30 anos

Quando esses dois recursos provenientes da pesquisa biomédica gerada pela descoberta de Koch passaram a ser amplamente usados na Inglaterra (e também em outros países), a taxa de mortalidade já era bastante inferior à observada no início da série. Seu uso tornou essa queda mais rápida. 

Como grande parte da queda ocorreu antes da década de 1950, quando as modernas tecnologias biomédicas para prevenção e tratamento da tuberculose não existiam, McKeown minimizou o papel dessas tecnologias e responsabilizou outros fatores por grande parte do declínio observado na mortalidade. Esses fatores seriam uma série de transformações ocorridas na sociedade inglesa, em especial a melhoria do estado nutricional da população, além de outras mudanças positivas nas condições de vida.

As ‘teses de McKeown’ tiveram imenso impacto no debate científico da época, com repercussões internacionais. Embora alguns elementos tenham sido contestados, essas ideias, em sua essência, ainda têm importância. Devemos ressaltar que, nos países hoje desenvolvidos, a ocorrência da tuberculose já era bastante reduzida quando a vacina BCG e os novos tratamentos começaram a ser usados, mas o mesmo não acontecia em grande parte do mundo, onde os recursos de saúde eram escassos. 

Você leu apenas o início do artigo publicado na CH 319. Clique aqui para acessar uma versão parcial da revista e ler o texto completo.

 

Maurício L. Barreto
Programa de Pós-graduação em Saúde Coletiva
Universidade Federal da Bahia

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