Há mais de 20 países com leis sobre meteoritos (fragmentos de asteroides, cometas ou planetas desintegrados que chegam à superfície terrestre). O Brasil não é um deles. A lacuna jurídica cria riscos para a população. Fomenta o comércio desordenado e clandestino. E não estimula a descoberta, o estudo e o interesse científico pelos meteoritos e sua destinação para fins culturais.
Os meteoritos são ‘mensageiros’ do espaço interplanetário e podem trazer dados sobre o universo. Verdadeiros ETs, têm inestimável valor científico, cultural e também comercial. São procurados e disputados por cientistas, proprietários de terras e mercadores de objetos naturais especialmente lucrativos.
Quem pode ser dono de meteoritos? Não há legislação internacional a respeito. Mas deveria haver. A questão é global. Interessa a todas as nações. Infelizmente, hoje, cada país resolve a questão a seu modo.
Nos Estados Unidos e no Japão, a sorte dita as regras – os meteoritos pertencem ao dono do terreno onde caíram. Na Austrália, pertencem aos museus públicos, e quem os encontrou deve ser compensado pelas despesas feitas. Na Argentina, pertencem ao Estado e às províncias. Na Dinamarca e Suíça, pertencem ao Estado, e quem os encontrou deve ser compensado pelo valor dos objetos. Na Índia, pertencem ao Centro de Pesquisa Geológica e não existe compensação. No Brasil, não há nem lei, nem doutrina sobre a matéria.
Em 2011, um meteorito caído no município de Varre-Sai (RJ) desencadeou uma ‘verdadeira caça ao tesouro’. Até cidadãos de outros países entraram na corrida. O caso acabou na Justiça. Um estrangeiro se apossou do objeto e nada revelou às autoridades. Foi condenado por contrabando. Quem conta o caso é Mariani Policarpo Neves, em ‘O direito de propriedade sobre os meteoritos no ordenamento jurídico brasileiro’, trabalho de conclusão do curso de Pós-graduação na Escola da Magistratura do Rio de Janeiro, em 2014.
Insegurança jurídica
Sem definição legal própria, o direito de propriedade sobre os meteoritos causa controvérsias no Brasil. Pode gerar decisões judiciais diversas, arbitrárias e mesmo contraditórias. Tal insegurança jurídica precisa ser sanada. Há perguntas a responder: Que valores e interesses uma lei brasileira sobre meteoritos deve resguardar? Que direitos e deveres corresponderiam a esses valores e interesses? Cabe atribuir direitos e deveres a quem descobriu ou encontrou um meteorito? Qual é o interesse da União nos meteoritos, com base na soberania territorial e no interesse público? Que interesses internacionais são afetados?
Segundo o artigo 20, inciso IX, da nossa Constituição, no Brasil, os recursos minerais são bens da União. Mas, para os cientistas, essa norma não se aplica aos meteoritos, porque sua exploração não é viável economicamente. Consideram-se recursos minerais as jazidas de minério formadas na crosta terrestre cuja extração é, ou pode ser, técnica e economicamente rentável. Os meteoritos não se formam na crosta terrestre. Eles vêm do espaço. Logo, não são recursos minerais. Portanto, não se pode fixar o direito de propriedade sobre os meteoritos com base na lei brasileira em vigor. Imaginam-se várias formas para tentar definir o dono de um meteorito. Nenhuma tem convencido.
Bens públicos
Penso que a questão só será resolvida com a definição da natureza jurídica dos meteoritos. Se forem considerados bens públicos, passam a ser propriedade da União. Seria a melhor solução. Evitaria o recurso da usucapião (apropriação pelo uso) por parte de quem quer que seja. E prevaleceria o princípio do interesse público cultural e científico – evidente, no caso.
Se os meteoritos forem definidos como ‘bens móveis particulares’, o direito de propriedade sobre eles é regido pelo Código Civil de 2002 (capítulo III do título III do livro III). Seguindo esse caminho, caberia definir o meteorito como res nullius, isto é, ‘coisa de ninguém’, ou ‘coisa que nunca pertenceu a alguém’ e, portanto, pode ser apropriada por quem a achar primeiro.
Definido como bem móvel, o meteorito poderia ser apropriado por um dos modos de aquisição de propriedade previstos pelo Código Civil: ocupação, tradição, usucapião e sucessão testamentária. A ocupação, regulada no artigo 1.263, é vista como o principal meio de se apropriar de um meteorito. Na prática, ela leva a grandes litígios. Quem se apossa de uma coisa sem dono busca, claro, tornar-se seu proprietário. Mas isso pode ser legalmente questionado no caso de um meteorito, que tem valor cultural e para o qual não há uma lei específica. Ainda mais se, para se apossar dele, alguém invadir o imóvel onde o objeto se encontra.
Os meteoritos fornecem valiosos dados sobre a origem e evolução do Sistema Solar, o que é de suma relevância para as pesquisas sobre a origem do universo. Por isso, ver os meteoritos como meros bens particulares afronta as normas e os princípios constitucionais em vigor, destinados a preservar o patrimônio público. O interesse público – nacional e internacional – deve ser a base da decisão de instituir o direito de propriedade sobre os meteoritos no Brasil.
Há também que levar conta casos como o da Argentina. Lá, os meteoritos são propriedade do Estado, o que é positivo. Mas isso tem causado grandes prejuízos ao país. O comércio ilegal de meteoritos atinge altos níveis. Essa e outras lições similares são importantes ao se pensar em uma lei brasileira a respeito. Os meteoritos devem pertencer ao poder público. Os interesses particulares não podem estar acima do interesse público – preferencial e prioritário, no caso. Mas, ao mesmo tempo, o Estado deve incentivar sistematicamente as pessoas tanto a descobrirem quanto a encaminharem os meteoritos, de acordo com a lei que for criada.
Segundo nossa Constituição, compete à União regulamentar os meteoritos, por interpretação extensiva do artigo 20, inciso IX, e por sua competência privativa para legislar sobre o direito espacial (artigo 22, inciso I).
É imperioso e justo, portanto, conciliar o interesse público com o fomento à descoberta de meteoritos, por meio de prêmios ou recompensas, sob um sistema eficaz que desestimule o contrabando desses corpos que caem do céu, trazendo dados únicos.
José Monserrat Filho
Associação Brasileira de Direito Aeronáutico e Espacial (vice-presidente)
Instituto Internacional de Direito Espacial (diretor honorário)