A busca por variações de características da paisagem – ou ‘indicadores’ – que possam confirmar a ocorrência das mudanças climáticas globais é um passo essencial para definir, caracterizar e quantificar as consequências desse fenômeno sobre o meio ambiente.
Esses indicadores permitirão avaliar a vulnerabilidade dos ecossistemas naturais às alterações do clima e o efeito sobre atividades humanas que dependem da integridade desses sistemas. Assim, será possível elaborar modelos capazes de prever as transformações vividas pelo planeta e sugerir as necessárias adaptações.
Indicadores significativos têm sido identificados e estudados em várias partes do mundo, em particular em áreas extremas, como regiões polares e altas cadeias de montanhas.
Entre eles estão a velocidade do desaparecimento de geleiras e calotas polares, a diminuição dos mantos de gelo da Groenlândia e da Antártida e variações de temperatura na atmosfera e nos oceanos.
Alterações na distribuição de espécies sensíveis, e mesmo sua extinção, também têm sido relacionadas às mudanças climáticas. O último relatório do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC, na sigla em inglês), de 2007, traz muitos exemplos.
No entanto, apesar da variedade de biomas e ecossistemas e da imensa biodiversidade brasileira, dados consistentes sobre indicadores de mudanças do clima no Brasil ainda são escassas.
Interface continente-oceano
As áreas de interface entre diferentes ecossistemas, chamadas de ecótonos, estão entre as mais suscetíveis aos efeitos das alterações climáticas globais.
Uma das que reagem com maior rapidez a essas mudanças é a interface continente-oceano, já que suas características dependem de diversos fatores afetados pelo clima, em particular a elevação do nível do mar e as variações do fluxo dos rios (devidas ao regime de chuvas), que influenciam a estabilidade da costa e o equilíbrio entre erosão e sedimentação.
O reconhecimento da importância dessas áreas para entender como ambientes locais são afetados pelas mudanças do clima levou o Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia de Transferência de Materiais Continente-Oceano, projeto sediado na Universidade Federal do Ceará (UFC), a realizar estudos para identificar, caracterizar e quantificar indicadores desses impactos.
Estudo recente sobre a erosão e o aporte de sedimentos (progradação) na linha de costa no litoral brasileiro, patrocinado pelo Ministério do Meio Ambiente, sugeriu o litoral do semiárido, no Nordeste, como particularmente vulnerável às mudanças do clima.
A pequena vazão dos rios do semiárido reduz a descarga de sedimentos no mar e facilita a erosão costeira.
Os efeitos dessa característica natural são reforçados pela redução do volume de chuvas registrada nas últimas décadas na região, prevista em relatórios do IPCC e recentemente confirmada por estudos da Fundação Cearense de Meteorologia (Funceme). Além disso, a construção de barragens reduz ainda mais a vazão desses rios (ver ‘Efeitos da açudagem no rio Jaguaribe’, na CH 197).
Esses processos alteram a capacidade de transportar sedimentos dos rios e dos ventos e as características das calhas fluviais, o que afeta a linha de costa, e por isso podem ser relacionadas às mudanças climáticas.
Três indicadores decorrentes dessas alterações vêm sendo pesquisados pela equipe do projeto: i) deslocamento de dunas de areia, ii) formação de ilhas e alargamento de praias fluviais (que resultam no aumento da área de manguezais) e iii) variação da linha de costa. Imagens de satélite e estudos de campo permitiram modelar como esses indicadores variaram nos últimos 40 anos, quando as mudanças climáticas globais supostamente se intensificaram.
Luiz Drude de Lacerda, Mario Duarte Godoy e Luis Parente Maia
Instituto de Ciências do Mar,
Universidade Federal do Ceará