Pela primeira vez, foi observada diretamente uma nanoliga metálica. O fio, de dimensões nanoscópicas, formado por poucos átomos de ouro e prata enfileirados, foi obtido experimentalmente por pesquisadores de três instituições cientificas brasileiras. Os resultados da equipe, considerados muito importantes, abrem uma nova linha de investigação nas áreas de nanociência e nanotecnologia. O artigo foi publicado em Nature Nanotechnology (vol. 1, dezembro de 2005, pp. 182-185).
O fato de certos materiais serem utilizados na classificação de períodos na história da civilização mostra a importância econômica e tecnológica deles. Na Idade do Cobre e na do Bronze, por exemplo, o grande avanço tecnológico foi a passagem do uso de um elemento puro (no caso, o cobre) para o de uma liga de cobre e arsênio, inicialmente, e de cobre e estanho, posteriormente, sendo esta última denominada bronze.
Uma liga metálica é um material composto de dois ou mais elementos, sendo pelo menos um deles um dos 70 metais conhecidos. Na maioria das aplicações, não se usam metais puros, mas sim ligas, pois estas permitem que características como dureza, ductilidade, resistência mecânica, ponto de fusão, entre outras, sejam otimizadas pela variação da composição da liga. Por exemplo, no bronze, a adição de arsênio ou estanho ao cobre originou um material muito mais duro, o que ocasionou um impacto enorme no desenvolvimento de materiais bélicos.
Agora, pesquisadores da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), do Laboratório Nacional de Luz Síncrotron (LNLS), também em Campinas (SP), e da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), em Minas Gerais, conseguiram produzir nanofios – ou seja, fios cujas dimensões são da ordem de bilionésimos de metro (10-9 m) – de uma liga metálica de ouro e prata. Para isso, empregaram uma ferramenta importantíssima na área de nanociência: o microscópio eletrônico com resolução atômica.
No caso, os nanofios foram produzidos a partir de uma lâmina nanoscópica de uma liga de ouro (Au) e prata (Ag) na qual foram produzidos dois buracos próximos com o auxílio de um feixe de elétrons emitido pelo microscópio. Entre esses dois orifícios, forma-se uma junção, igualmente nanoscópica, devido à tensão exercida nas extremidades dela. Em função da agitação térmica de seus átomos, essa diminuta junção se transforma em um nanofio de espessura atômica e comprimento equivalente a alguns átomos. Esse nanofio, o de menor espessura que se pode produzir na natureza, finalmente se rompe.
Membros dessa equipe já haviam utilizado essa mesma técnica – introduzida em 1998 pelo grupo japonês liderado por Kunio Takayanagi ( Nature , vol. 395, pp. 780-783) – para produzir tanto fios de ouro quanto de prata nominalmente puros. A ressalva sobre a eventual pureza real desses fios está associada ao fato de a distância observada experimentalmente entre seus átomos ser muito maior que o esperado. A explicação para esse fato é, em geral, atribuída à existência de átomos mais leves (carbono, hidrogênio, oxigênio, por exemplo) que se ‘intrometem’ entre os de ouro ou prata. Como esses átomos mais leves têm um número muito menor de elétrons, se comparados aos do ouro e da prata, é mais difícil visualizá-los. Esses eventuais fios não puros de ouro ou prata, porém, não seriam formados intencionalmente.
No trabalho publicado agora em Nature Nanotechnology , o objetivo dos pesquisadores da Unicamp, do LNLS e da UFJF foi produzir fios compostos de uma liga de ouro e prata. Distintas composições foram investigadas, desde ligas ricas em ouro até aquelas ricas em prata. Notou-se que, em relação à forma como se rompiam, os nanofios produzidos se comportavam aparentemente como fios puros de ouro, até que altas concentrações de prata (cerca de 80%) fossem atingidas. Esse resultado foi explicado por simulações computacionais que observaram um acúmulo de átomos de ouro no nanofio. Isso foi atribuído ao fato de esse elemento químico ter certas propriedades – no jargão dos físicos, uma menor energia de superfície e menores barreiras de difusão – diferentes daquelas presentes na prata.
Apesar de sugestivas, essas idéias terão ainda de ser comprovadas, pois a escala de tempo que pode ser examinada pelas simulações computacionais é muito distinta da realidade; além disso, processos que são ativados pela temperatura (difusão, por exemplo) podem não estar sendo corretamente descritos.
Além do acúmulo de átomos de ouro no fio – fenômeno denominado auto-organização pelos autores –, foram feitas observações diretas de nanofios com composição mista. Dois casos foram estudados em detalhes. Em ambos, os fios eram formados por três átomos (dois de prata e um de ouro) suspensos entre contatos ricos em prata (liga nominal com 80% desse elemento). A comparação dessas observações com simulações computacionais permitiu identificar estruturas do tipo prata-prata-ouro conectadas às pontas metálicas. Essa foi a primeira observação direta de um nanofio composto por mais de um tipo de átomo.
Esses resultados são muito importantes por abrir uma nova linha de investigação sobre nanofios metálicos. Como todo bom trabalho pioneiro, várias questões surgem a partir dele: a probabilidade de se encontrar um átomo de ouro em um fio como o descrito (com dois de prata e um de ouro) é uniforme? Ou o ouro é preferencialmente encontrado ligado às pontas? Impurezas de átomos leves também estariam presentes nesses fios? O processo de ‘auto-organização’ é uma realidade? Há outras ligas que formam nanofios? Com propriedades ‘melhores’?
Estas e outras questões só poderão ser respondidas com trabalho árduo e avanços instrumentais realizados por diferentes laboratórios do mundo, motivados, sem dúvida, pelo trabalho feito pelos pesquisadores aqui no Brasil.
Adalberto Fazzio e
Antônio José Roque da Silva
Departamento de Materiais e Mecânica,
Instituto de Física,
Universidade de São Paulo