Corte transversal do cérebro humano, mostrando a localização da amígdala e do hipocampo, estruturas neurais envolvidas na formação da memória.

A memória e os mecanismos pelos quais esta se forma e se mantém sempre despertaram a curiosidade humana, porque são as nossas lembranças que nos fazem indivíduos únicos. Estudos feitos em ratos têm demonstrado que certos compostos orgânicos nitrogenados, as poliaminas (particularmente a espermidina, encontrada em todas as células eucarióticas, incluindo células do sistema nervoso de vertebrados), têm ação relevante na modulação do aprendizado e da memória.

A memória desperta o interesse e a imaginação humanas desde a Antigüidade. Tanto que a pergunta de Santo Agostinho (354-430) parece hoje mais atual e relevante do que quando foi formulada, há 17 séculos, no livro X de As confissões, uma de suas obras principais: “Chego aos campos e vastos palácios da memória onde estão os tesouros de inumeráveis imagens trazidas por percepções de toda espécie. Aí está também escondido tudo o que pensamos, quer aumentando quer diminuindo ou até variando de qualquer modo os objetos que os sentidos atingiram. Enfim, jaz aí tudo o que se lhes entregou e depôs, se é que o esquecimento ainda o não absorveu e sepultou… Quem poderá explicar o modo como elas se formaram, apesar de se conhecer por que sentidos foram recolhidas e escondidas no interior?”

Como apropriadamente declarou o neurobiólogo Iván Izquierdo, da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, que estuda a fisiologia da memória, “somos aquilo que recordamos”. “Não podemos fazer aquilo que não sabemos como fazer, nem comunicar nada que desconheçamos, isto é, nada que não esteja na nossa memória… (…) Eu sou quem sou, cada um é quem é, porque todos lembramo-nos de coisas que nos são próprias e exclusivas, e não pertencem a mais ninguém. As nossas memórias fazem com que cada ser humano ou animal seja um ser único, um indivíduo”, completou o cientista. Portanto, mais que um exercício de curiosidade, descobrir os caminhos pelos quais a memória se forma e se mantém parece ser uma oportunidade única de prolongar a individualidade humana frente às várias doenças neurodegenerativas, entre elas o mal de Alzheimer, que surgiram com o aumento da expectativa de vida da população.

A formação da memória
Há evidências de que, dependendo do tipo de memória, sua formação envolve mais de um mecanismo bioquímico. Também se constatou que os mecanismos pelos quais formamos a memória de um fato (aprendizado) são diferentes dos que usamos para evocá-la (lembrança). Experiências mostram que a formação da memória de longa duração depende de eventos relacionados à síntese protéica. O aumento na síntese protéica é apenas uma das modificações cerebrais observadas durante o processo de formação de memória. Antes desse aumento ocorrem alterações na liberação de neurotransmissores, moléculas responsáveis pela comunicação entre os neurônios, e na eficiência dessa comunicação em certas estruturas cerebrais (como o hipocampo, o córtex cerebral e outras). Estes parecem ser eventos neuroquímicos primários para a formação da memória.

Um dos principais neurotransmissores liberados pelos neurônios localizados nas áreas cerebrais envolvidas na formação da memória é o glutamato. Ao ser liberado, ele se liga a receptores específicos nos neurônios-alvos, provocando alterações que ativam mecanismos relacionados à síntese protéica e levam tais neurônios a formar novas conexões com outros. Essa alteração nas conexões neuronais tem sido chamada de ‘plasticidade sináptica’. Tais processos podem ser modulados não só pelo glutamato, mas também por outros neurotransmissores, entre eles dopamina, noradrenalina, serotonina, acetilcolina, ácido gama-aminobutírico e poliaminas. Estes são liberados por neurônios presentes no hipocampo ou em estruturas cerebrais adjacentes, como a amígdala, envolvida na percepção e modulação do medo e de outras emoções. 

Daiane Bolzan Berlese
Instituto de Ciências da Saúde,
Centro Universitário Feevale (RS) 

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