A atuação de médicos, pesquisadores e alunos da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) vem mudando a vida das populações locais em cidades do interior do estado. Por meio de um detalhado trabalho de análises clínicas, de orientação e preparação dos profissionais e de investigação médica, foi possível diagnosticar doenças genéticas raras com precedentes familiares.
O projeto, que engloba a Faculdade de Medicina, o Hospital das Clínicas e o Instituto de Ciências Biológicas da UFMG, tem como objetivo a capacitação de profissionais para lidar com as doenças e informar corretamente os pacientes sobre sua situação. Em visitas às áreas rurais, a equipe formada por geneticistas, neurologistas, endocrinologistas e psicólogos realiza as consultas e exames necessários para a identificação das doenças.
Devido à sua raridade, à grande quantidade de sintomas comuns a outras enfermidades e à pequena quantidade de informações disponíveis, as doenças herdadas geneticamente são difíceis de serem diagnosticadas e freqüentemente confundem os profissionais de saúde.
“Percebemos que a dificuldade de reconhecimento causava desgaste tanto na família quanto nos médicos”, afirma a geneticista Ana Lúcia Brunialti Godard, do Laboratório de Genética Animal e Humana do Instituto de Ciências Biológicas, responsável pela coordenação do projeto, junto com a também geneticista Eugênia Ribeiro Valadares, do Laboratório de Erros Inatos do Metabolismo da Faculdade de Medicina.
Um exemplo de como essas doenças podem confundir profissionais que lidam com elas é a síndrome de Segawa ou distonia progressiva hereditária, caracterizada por distúrbios de postura e locomoção motora com variação diurna. “À primeira vista, o diagnóstico do paciente pode ser de paralisia, mas somente exames mais detalhados conseguirão identificar a síndrome”, explica Brunialti. Entre 55 integrantes de uma mesma família, a mutação foi identificada em 20 pessoas.
Outras enfermidades identificadas durante a pesquisa foram: lipofuccinose cerebral, doença cujos principais sintomas são a deterioração psicomotora e a perda da visão, síndrome Allan-Henrdon-Dudley (AHDS), em que os pacientes apresentam forte retardo psicomotor, e a adrenoleucodistrofia (ALD), doença retratada no filme O óleo de Lorenzo (1992), que acarreta a perda gradativa da capacidade de se mover, ouvir, falar e respirar, em decorrência da falta da mielina, substância que reveste os neurônios.
Além da identificação das doenças, o projeto também contribui para a melhoria da qualidade de vida dos pacientes. A síndrome de Segawa pode ser tratada com uma simples dose diária de L-dopa (ou Levodopa, medicamento do grupo dos antiparkinsonianos) e o paciente tem remissão completa do fenótipo: sintomas e características físicas associados à doença desaparecem. A partir do diagnóstico dado a uma família, a doença passou a ser tratada sem grandes complicações.
Informações preciosas
Para conseguir identificar corretamente cada doença, a equipe realiza entrevistas, faz exames clínicos detalhados, coleta o sangue dos pacientes e investiga o histórico familiar, na busca da origem do problema. No Laboratório de Genética Animal e Humana, em Belo Horizonte, são feitos exames moleculares complementares para identificar a mutação genética responsável pelo desenvolvimento da doença.
Após o diagnóstico, a equipe retorna à cidade interiorana e fornece à família dados e informações sobre a enfermidade, explicando suas causas, sintomas e possíveis formas de tratamento. “A educação e a conscientização são importantes para que as pessoas possam lidar com seu problema da melhor forma possível”, afirma Brunialti. A equipe ainda realiza um aconselhamento genético, mostrando quais as chances de os indivíduos desenvolverem a doença ou terem descendentes afetados.
O mesmo processo educativo, só que de modo mais detalhado, é vivido pelos profissionais de saúde locais. Segundo Brunialti, o objetivo é que eles passem a entender as doenças em sua totalidade. “Ao disponibilizarmos informações tão importantes, formamos massa crítica e recursos humanos, qualificando a mão-de-obra local”.
Um dos objetivos futuros do projeto, de acordo com Brunialti, é a criação de um portal na internet com dados sobre cada doença identificada. A página poderá ser acessada por profissionais e até por leigos. “Nossa idéia é transformar o projeto em uma rede de compartilhamento de informações para dar continuidade ao trabalho realizado em cada cidade e permitir o acompanhamento regular dos pacientes”.
Rachel Rimas
Ciência Hoje/RJ