A tecnologia envolvendo as células-tronco não pára de produzir novidades de interesse geral. Não é só no tratamento de lesões em órgãos cujas células normalmente não se regeneram, que as células-tronco têm aplicações. Há pouco tempo circulou a notícia de que um grupo de pesquisadores da Universidade de Newcastle, no Reino Unido, produziu espermatozóides humanos a partir de células-tronco. O detalhe curioso nesse caso foi que as células-tronco originais eram de um embrião feminino. Potencialmente esse procedimento permitiria que as células de uma mulher também gerassem espermatozóides.
Na verdade, experimentos semelhantes com outras espécies já haviam sido conduzidos desde a década de 1990. Nessa época, foram testadas células-tronco de galinhas e de camundongos. Incluído na lista de centros de pesquisa que realizaram essas experiências precursoras está o nosso Instituto Butantan (SP), onde também foram produzidos espermatozóides e óvulos usando células-tronco de camundongos.
Porém, é preciso enfatizar que, mesmo que esses grupos tenham produzido os espermatozóides partindo de células femininas, estes se limitam aos chamados espermatozóides femininos, portadores do cromossomo sexual X. O espermatozóide masculino contém o cromossomo Y, e os gametas contendo o cromossomo Y ainda não foram produzidos a partir de células-tronco.
É claro que qualquer avanço no conhecimento é gradual e não devemos nos precipitar imaginando que espermatozóides femininos já estejam disponíveis para resolver a questão da maternidade biológica entre mulheres homossexuais, por exemplo. Ainda existem muitas dificuldades a superar, algumas bem espinhosas.
Para que se tenha uma idéia da magnitude dos problemas ainda sem solução, basta citar que o cromossomo Y é necessário para que ocorra a meiose, um tipo de replicação celular no qual o número de cromossomos é reduzido à metade, que é característica das divisões celulares dos espermatozóides e óvulos. Outro problema é aprender a controlar o código de modificações no DNA (material genético) de gametas masculinos e femininos que ocorrem após sua síntese e que coordenam a formação de estruturas fetais e placentárias (ver ‘Comunhão parcial de genes’ na sessão Mundo de Ciência da CH 205 ).
Uma questão de tempo
No entanto, nenhum desses obstáculos é insuperável. Dada a presente sofisticação da biotecnologia, não há dúvidas de que oportunamente todos os impedimentos serão resolvidos. Quando chegarmos lá, o que podemos esperar? Um cenário possível seria o de que gradualmente os homens deixassem de ser indispensáveis para a reprodução e a população feminina aumentasse significativamente no planeta devido à escassez do cromossomo Y.
Mas, se analisarmos o que está acontecendo com o cromossomo Y, verificaremos que há algum tempo a própria natureza vem tramando contra o sexo masculino. Nos últimos milhões de anos, o cromossomo Y perdeu muitos genes e atualmente ficou tão diferente do cromossomo X, que praticamente não há mais trocas de material genético entre eles. O cromossomo X, com cerca de 165 milhões de pares de nucleotídeos (uma medida de seu tamanho), é bem maior que o Y, com aproximadamente 60 milhões desses pares. Se compararmos o número de genes, as diferenças se tornam mais evidentes. O cromossomo X tem 3 mil genes e o Y só 26!
A atual discussão é se o cromossomo Y vai desaparecer em 10 milhões de anos ou não. Sabe-se que se um cromossomo ficar muito pequeno corre o risco de se tornar instável e então desaparecer. Assim, por um lado, temos uma medida da progressão real da diminuição do Y e, por outro, um argumento evolucionista que, ao contrário das previsões pessimistas, sugere que o Y, perdendo seus genes, teria evoluído até atingir um ponto de ajuste ideal. Em outras palavras, o cromossomo Y teria se especializado em determinar o sexo masculino. Se esse ajuste for aprovado pela seleção natural, o Y permaneceria entre nós por muito tempo ainda.
O debate prossegue e no momento não há como decidir qual corrente do pensamento está certa. O que sabemos é que o cromossomo Y já não tem mais uma origem exclusiva das gônadas masculinas e, além disso, corre o risco de desaparecer. Essa bifurcação evolutiva pode significar o fim da hegemonia masculina, mas também pode ser o arauto da extinção da espécie.
Franklin Rumjanek
Instituto de Bioquímica Médica
Universidade Federal do Rio de Janeiro