Talvez não exista fenômeno tão palpável e fascinante como a força à distância experimentada por um ímã. Aliando as propriedades magnéticas ao campo magnético terrestre, a humanidade desenvolveu um importante instrumento de navegação, a bússola, que foi fundamental durante um longo período da história.
Hoje, apesar de ser quase imperceptível, ainda dependemos muito de materiais magnéticos, presentes em motores, transformadores, dispositivos de armazenamento magnético, entre outros. Assim, o desenvolvimento científico e tecnológico influenciou e foi influenciado pelos materiais magnéticos.
O livro A pedra com alma: a fascinante história do magnetismo procura contar parte da história da ciência e da tecnologia sob a perspectiva do magnetismo e dos materiais magnéticos.
Torna-se claro, ao ler o livro, como o desenvolvimento dos conceitos científicos foram influenciados pelos mistérios do magnetismo. De fato, o livro reflete, de modo peculiar, um dilema básico do divulgador científico, que é saber até onde ir (no passado ou nos fundamentos conceituais) para explicar algum conceito ou fenômeno.
Nesse caso, o autor, dotado de uma erudição aguçada, resolveu explorar o magnetismo partindo dos primórdios de relatos conhecidos e, a partir dali, empreender uma viagem pela história da ciência, pinçando citações a fenômenos magnéticos.
Assim, mais do que um livro de divulgação científica sobre o magnetismo, como se poderia supor a partir do título, trata-se de um livro de história da ciência, repleto de relatos interessantes, e de um número apreciável de citações científicas.
Além disso, em algumas digressões interessantes o autor se permitiu pincelar áreas tão abrangentes como filosofia, psicologia, epistemologia da ciência, economia, entre outras.
Dividido em sete capítulos, o livro aborda mais de 3 mil anos de história, partindo do legado da ciência grega, e avançando pela Idade Média até chegar ao Renascimento, período em que surge o importante tratado De magnete, de W. Gilbert, publicado em 1600.
O terceiro capítulo explora o importante passo dado pela ciência ao unificar eletricidade e magnetismo, detalhando as contribuições dos pioneiros da eletricidade e do magnetismo moderno, como Alessandro Volta, Hans C. Oersted, André-Marie Ampère e Michael Faraday.
Esse desenvolvimento culmina com os trabalhos de James C. Maxwell e a importância das discussões mais gerais sobre forças de ação a distância, que incluem não só as forças elétricas e magnéticas, mas também a força gravitacional.
O ulterior desenvolvimento da ciência culminou com o melhor entendimento da matéria, fundamental para entender também o desenvolvimento do magnetismo. Assim, só com o surgimento da física quântica foi possível entender o magnetismo na matéria, e a própria existência de ímãs naturais, por exemplo.
Os caminhos da ciência
Os capítulos finais discutem fenômenos e aplicações do magnetismo, incluindo o campo magnético terrestre, as imagens por ressonância magnética nuclear, as perspectivas da computação quântica, gravação magnética, entre outros.
De fato, nesses dois últimos capítulos o livro explora de uma maneira bem abrangente como o magnetismo permeia as nossas vidas, tendo entretanto que utilizar com mais frequência certo jargão técnico talvez demasiado complexo para a maioria dos leitores.
Considerando a abrangência histórica que o texto acabou tecendo, nota-se a falta de alguns pontos bem relevantes, como o desenvolvimento da relatividade restrita, que parte da consistência e simetria das equações de Maxwell e das leis de Newton, bem como o desenvolvimento das redes elétricas centralizadas, e o papel de Nicola Tesla nesses desenvolvimentos.
Convém destacar que o livro é uma tradução, feita pelo próprio autor, do texto que originalmente foi escrito em inglês e publicado pela renomada editora Wiley-VCH em 2005.
O texto, de leitura agradável, pode ser recomendado para qualquer cientista, historiador ou pessoa interessada em ciência e seu desenvolvimento, e certamente ilustra com o magnetismo a incrível façanha do ser humano ao aproveitar o que a natureza nos oferece: utilizar seus efeitos de modo prático (mesmo sem entender o fenômeno completamente) e, com muita dedicação e paciência, seguir estudando, desenvolvendo teorias e testando-as, evoluindo, passo a passo, rumo à sua compreensão.
Alberto Passos Guimarães ilustra esse caminhar de modo exemplar neste volume, mostrando como os cientistas de materiais, como ele próprio, fazem dessa prática a sua vida cotidiana, desenvolvendo novos materiais, entendendo as suas propriedades,
criando novos dispositivos, novos mistérios, novos desafios.
Alberto Passos Guimarães
Rio de Janeiro, 2011, Civilização Brasileira
336 páginas – R$ 49
Marcelo Knobel
Instituto de Física Gleb Wataghin
Universidade Estadual de Campinas
Texto originalmente publicado na CH 287 (novembro de 2011).