O físico norte-americano Richard Feynman (1918-1988) visitou a trabalho o Brasil várias vezes. Em uma delas, no início da década de 1960, no Rio de Janeiro, apresentou-se para alunos da então Faculdade Nacional de Filosofia, como convidado de uma das pioneiras da física no país, Elisa Frota-Pessôa.
Passada a surpresa inicial da plateia – afinal, Feynman já era considerado um dos maiores teóricos do mundo, mesmo antes de seu Nobel de Física de 1965 –, o norte-americano, em gesto um tanto imodesto, disse aos alunos que eles poderiam fazer qualquer pergunta sobre física. Qualquer.
Na memória de um dos presentes, ficou a imagem de alguém lascando a seguinte pergunta: Por que o café, quando seca, forma aquela mancha em forma de anel? Aquela mesma testemunha relatou à seção ‘Mundo de ciência’ que a resposta do físico norte-americano não convenceu muito.
Se o relato bate com a realidade, era improvável que Feynman – mesmo sendo conhecido como o homem que dominava todas as áreas da física – soubesse a resposta. Razão: ela só saiu agora – publicada na revista Nature.
Peter Yunker, da Universidade da Pensilvânia (EUA), e colegas atacaram o problema assim: testaram a evaporação de gotas de água contendo minúsculos pedaços (esféricos e elipsoides) de plástico.
Os primeiros, observou a equipe, eram transportados para a margem da gota e lá se depositam, dando, assim, origem à mancha em forma de ‘anel’ depois da evaporação. No caso do café, as partículas em suspensão são esféricas.
Os elipsoides, por sua vez, tendiam a se depositar, de modo mais ou menos uniforme, por toda a superfície ocupada pela gota.
Veja vídeo, em inglês, mostrando o experimento feito na Universidade da Pensilvânia
Artigos e experimentos anteriores já haviam começado a decifrar mistérios do fenômeno, sendo o principal deles o fato de o formato da partícula em suspensão influenciar o modo como se dá a evaporação da gota.
A equipe também descobriu que, se for acrescentada quantidade mínima de partículas elipsoides a uma solução de partículas esféricas, a mancha circular se desfaz. E daí?
Bem, parecem aqueles trabalhos de ‘ciência básica’, sem compromisso com aplicações práticas ou o desenvolvimento econômico – em tempo: grande parte das invenções que banham nosso dia a dia nasceu assim, da investigação pela investigação, simplesmente.
Não é o caso. A pesquisa tem aplicações importantes para o desenvolvimento de impressoras mais precisas, de tintas que cobrem uma superfície de modo mais homogêneo, de filmes ultrafinos e até de tecnologias ligadas ao DNA.
Cássio Leite Vieira
Ciência Hoje/ RJ
Texto originalmente publicado na CH 286 (outubro de 2011).