Estamos familiarizados com o conceito de que átomos são constituídos de prótons, nêutrons e elétrons. O número atômico – representado pela letra Z – corresponde ao número de prótons existentes no núcleo dos átomos. Um elemento químico é caracterizado por seu número atômico. No entanto, seu número de nêutrons pode variar. Isso caracteriza a chamada isotopia: conjunto de átomos com mesmo número atômico (Z) – portanto, do mesmo elemento químico –, mas com diferente número de massa (A), que é a soma de prótons mais nêutrons. Por exemplo, dois dos isótopos do hidrogênio (Z = 1) são o deutério (Z = 1; A = 2) e o trítio (Z = 1; A = 3).
Há pouco mais de 250 isótopos estáveis na natureza, e são conhecidos mais de 3 mil deles instáveis. Entre estes últimos, pouco mais de 80 são de ocorrência natural, e o restante é produzido artificialmente. Chama-se isótopo radioativo ou radioisótopo aquele que é instável, ou seja, passível de sofrer um processo chamado decaimento radioativo ou desintegração radioativa. Todos os elementos têm radioisótopos, mas aqueles de número atômico superior ao chumbo (Z > 82), bem como o tecnécio (Z = 43) e o promécio (Z = 61), só existem na forma de radioisótopos.
Hoje, o termo que melhor denomina radioisótopo é radionuclídeo. Nuclídeo é a espécie de átomo ou núcleo que tem um número definido de prótons e nêutrons que o caracteriza. Se um nuclídeo for instável, ele é denominado radionuclídeo. Na desintegração radioativa, ocorre emissão de: i) radiação (ou raios) gama (radiação eletromagnética de elevada energia); ii) partículas alfa (formadas por dois prótons e dois nêutrons); iii) partículas beta menos (elétrons) ou beta mais (pósitrons, ou seja, elétrons com carga elétrica positiva); iv) nêutrons (partículas sem carga elétrica). A desintegração prossegue até que um isótopo estável seja formado.
As meias-vidas
Um parâmetro que caracteriza um radionuclídeo é a chamada meia-vida física, definida como o tempo que metade dos núcleos de uma amostra radioativa leva para se desintegrar (decair). Graças ao conhecimento acumulado desde as aplicações pioneiras na medicina do elemento químico rádio, no início do século passado, descobriu-se que certos radionuclídeos têm características que os tornam muito úteis na chamada medicina nuclear, especialidade que os emprega para fins diagnósticos e terapêuticos, permitindo evidenciar a função e o metabolismo de órgãos e tecidos.
Técnicas como tomografia computadorizada, ultrassom e ressonância magnética destacam aspectos morfológicos e anatômicos. Mas, com esses exames, é impossível observar muitos processos metabólicos, ou seja, as transformações que as substâncias químicas sofrem no interior do organismo, informação importante para o diagnóstico e tratamento corretos de muitas doenças, como o câncer. A observação desses processos fica a cargo da chamada medicina nuclear. Vale ressaltar que a quantidade de radiação que o paciente recebe em um exame de medicina nuclear é inferior àquela recebida em uma radiografia ou tomografia computadorizada que visualize as mesmas estruturas.
Além da meia-vida física, há também a chamada meia-vida biológica: tempo necessário para o organismo eliminar metade dos radionuclídeos introduzidos nele. A associação dessas duas meias-vidas caracteriza a meia-vida efetiva desse radionuclídeo, dado essencial para dosar a quantidade de radionuclídeos que será usada em um paciente.
Embora existam mais de 3 mil radionuclídeos, o uso deles em medicina nuclear é restrito, pois precisam preencher certos requisitos para tal utilização. Para ser introduzido em um organismo (in vivo), o radionuclídeo deve estar associado (ligado) a um composto adequado, o chamado radiofármaco. Este último é administrado por via intravenosa, oral, inserido em cavidades corporais ou inalado pelo paciente.
Nos diagnósticos
Para diagnóstico, usam-se radionuclídeos emissores de radiação gama ou emissores beta mais, ou seja, de pósitrons. O decaimento desse tipo de radionuclídeo produz radiação eletromagnética penetrante, que atravessa os tecidos, podendo ser detectada externamente. Na Spect – sigla, em inglês, para tomografia computadorizada por emissão de fóton único –, um radiofármaco emissor gama é administrado ao paciente. Este último é colocado em uma câmara para detecção da radiação e formação das imagens. Dois ou mais detectores giram em torno da seção do corpo selecionada, criando dados em 3D que permitem a reconstrução da distribuição radioativa no interior do corpo. Esse procedimento é chamado cintilografia (figura 1A).
A radiação gama deve ser tal que não seja totalmente absorvida pelo corpo, impedindo a obtenção de imagens, nem muito forte, para evitar irradiação excessiva do paciente. A meia-vida efetiva do radiofármaco deve ser 1,5 vez maior que o tempo de duração do exame, permitindo boas imagens a baixas doses de radiação. O radiofármaco não deve ser metabolizado, para evitar que o organismo do paciente produza novas substâncias radioativas que interfiram no exame, ao migrarem para outros órgãos ou tecidos. Segundo a Sociedade de Medicina Nuclear dos Estados Unidos, há mais de 100 procedimentos para fins diagnósticos por Spect, cobrindo a fisiologia de quase todos os sistemas e órgãos do corpo. O tecnécio-99 metaestável é hoje o radionuclídeo mais usado nesses procedimentos.
A PET (sigla, em inglês, para tomografia por emissão de pósitrons) usa radiofármacos emissores de pósitrons (figura 1B). Os pósitrons colidem com elétrons de átomos do corpo do paciente. Essa colisão resulta em um evento de aniquilação, produzindo dois fótons de elevada energia, detectados por câmaras especiais (‘PET scanners’). As imagens têm resolução melhor que as cintilografias convencionais, mas o exame é mais caro. A PET consegue criar imagens do fluxo sanguíneo e de processos metabólicos, permitindo o estudo e a comparação de eventos de origem celular.
O radiofármaco mais usado na PET – técnica que abriu novas perspectivas nos diagnósticos em cardiologia, oncologia e neurologia – é o flúor-18-FDG (flúor-2-desoxi-D-glicose), análogo à glicose. A maioria dos tumores tem um metabolismo mais acelerado e, por isso, um consumo maior de glicose que as células normais. No entanto, o flúor-18-FDG não segue a via metabólica da glicose. Esse radiofármaco acumula-se no interior das células – em especial, nas tumorais, por conta da alta taxa metabólica. Esse acúmulo facilita a detecção de sua presença (figura 2).
Júlio Carlos Afonso
Departamento de Química Analítica, Instituto de Química,
Universidade Federal do Rio de Janeiro