“Nada se cria, nada ser perde, tudo se transforma”, segundo o químico francês Antoine Laurent de Lavoisier (1743-1794). Antes dele, o filósofo grego Anaxágoras (499-428 a.C.), o químico e médico francês Jean Rey (1583-1645) e o químico russo Mikhail Vasilyevich Lomonossov (1711-1765) trataram do tema.
Já no início do século passado, a teoria da relatividade restrita ampliou o princípio de conservação da massa, transformando-o em um princípio de conservação de massa e energia.
Isso se deu por meio do que talvez seja a fórmula mais famosa da ciência, que relaciona essas duas grandezas físicas: E=mc2 – o termo ‘c’ corresponde à velocidade da luz no vácuo (300 mil km/s). Assim, uma diminuta porção de matéria pode criar quantidades enormes de energia, como no exemplo (trágico) da bomba atômica.
Entretanto, na superfície da Terra, a quantidade de massa que se transforma em energia é quase sempre pequena e pode ser omitida – exceto em reatores nucleares ou, como dito, nos artefatos de guerra.
Refinarias de petróleo
A forma mais atual de expressão material do princípio de Lavoisier é a biorrefinaria, cujo conceito foi criado na esteira dos esforços de transição da nossa civilização industrial para uma era do pós-petróleo.
O próprio conceito de refinaria de petróleo evoluiu muito, desde a refinaria Kier, de 1853, em Pittsburgh (Estados Unidos). As primeiras delas apenas destilavam o petróleo, separando as frações desejadas, que eram vendidas como gasolina, querosene, óleo lubrificante, graxa e piche. O resto, embora volumoso, era queimado.
Uma refinaria de petróleo atual é uma rede complexa de unidades que fracionam e transformam quimicamente o petróleo, gerando os mesmos produtos do início do século passado, gás engarrafado e mais um grande número de substâncias químicas usadas em combustíveis, plásticos, borrachas, produtos de higiene e limpeza, medicamentos, vestuário, materiais de construção civil, telefones celulares e fertilizantes.
Não disporíamos nem mesmo de gasolina, diesel e querosene nas quantidades atuais sem o processo de craqueamento, que transforma moléculas grandes e pouco úteis naquelas que podem ser queimadas nos motores e nas turbinas de carros, caminhões, aviões, locomotivas e navios.
As refinarias de petróleo são hoje a principal fonte de enxofre, matéria-prima essencial do ácido sulfúrico, que, por sua vez, participa dos processos de fabricação de praticamente todo produto industrial. Também sai das refinarias a maior parte do hidrogênio produzido atualmente.
Hidrogênio e ácido sulfúrico são usados para fabricar os fertilizantes, que sustentam a produção agrícola necessária para alimentar a humanidade.
Açúcar, álcool e gasogênio
Ao se pensar em biorrefinarias, é importante lembrar como começou a produção de álcool de cana em grande escala, um grande sucesso brasileiro de pesquisa, desenvolvimento e inovação, reconhecido em todo o mundo.
O principal produto da cana foi – e ainda é – o açúcar usado como alimento. Entretanto, a fabricação do açúcar gera um resíduo liquido que ainda contém sacarose, mas do qual é difícil recuperá-la. Para evitar o descarte desses resíduos poluentes, usinas passaram a fermentá-los com levedura (tipo de fungo), produzindo álcool em destilarias anexas.
Só na década de 1970, com as primeiras crises do petróleo, surgiram usinas totalmente dedicadas à produção de álcool. Portanto, a produção conjunta de açúcar e álcool foi o estágio inicial de um processo que vem se ampliando e se tornando cada vez mais complexo.
Houve episódios marcantes no aproveitamento químico da cana. Na década de 1920, a Usina Serra Grande (Alagoas) produziu o ‘Usga’, combustível para automóveis a gasolina feito de etanol, éter etílico (fabricado com etanol) e óleo de mamona.
Em 1942, foi instalada uma grande usina alcoolquímica em uma área vizinha a Campinas (SP), hoje pertencente ao município de Paulínia. Essa foi uma das primeiras grandes usinas alcoolquímicas no mundo.
Na Segunda Grande Guerra (1939-45), houve no Brasil carência de gasolina, e a alternativa usada na época foi o gasogênio (mistura de gases obtida pela queima parcial do carvão ou madeira), pouco eficiente.
Naquela altura, o Brasil estava ainda longe do domínio da tecnologia do álcool e dos carros à base desse combustível – para não falar da tecnologia flex.
Fernando Galembeck
Instituto de Química
Universidade Estadual de Campinas
Texto originalmente publicado na CH 280 (abril de 2011).