Com seus mitos e lendas, a floresta amazônica continua a ser um mistério para muitos. O maior bioma brasileiro concentra cerca de 50% da biodiversidade conhecida hoje no planeta, mas estima-se que as espécies já registradas na região representem apenas 30% do número real.
O desmatamento é uma das principais ameaças a essa riqueza. Embora a devastação da floresta venha diminuindo desde 2004, estudos do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) revelam que entre aquele ano e 2009 a Amazônia perdeu 92,2 mil km2, área pouco menor que a do estado de Santa Catarina.
Além da derrubada das árvores, são ameaças constantes à floresta amazônica a exploração ilegal de madeira, as queimadas, a caça e a construção de rodovias. Esses fatores podem ter efeitos bastante variáveis e influenciam na perda da diversidade de fauna e flora porque afetam as interações ecológicas, os regimes de água e podem levar a alterações climáticas, contribuindo para o aquecimento global.
A BR-319 tem extensão de 880 km – 98% no estado do Amazonas – e atravessa a área central da Amazônia. A rodovia acompanha o curso do rio Madeira e foi planejada como alternativa à rota fluvial entre Manaus e Porto Velho (pelo próprio rio Madeira e pelo rio Amazonas), já que o trajeto de barco pode durar até quatro dias.
A estrada foi aberta na floresta entre 1972 e 1973, na ditadura militar, e chegou a ser asfaltada, mas não recebeu manutenção nos últimos 20 anos. Hoje, são transitáveis normalmente apenas os trechos iniciais, de Manaus (AM) a Careiro-Castanho (AM) e de Humaitá (AM) a Porto Velho (RO), repavimentados em 2001.
Agora, a recuperação da parte central, entre os quilômetros 250 e 655, está em processo de licenciamento ambiental pelo Departamento Nacional de Infra-Estrutura de Transportes (DNIT).
Fácil acesso à floresta
A reativação da rodovia tem gerado discussões e desentendimentos entre diferentes setores da sociedade, principalmente entre os ministérios dos Transportes e do Meio Ambiente.
Ambientalistas e conservacionistas são contra sua reabertura, que ligaria o arco do desmatamento em Rondônia à Amazônia Central, região onde a floresta ainda é bem preservada e a presença humana é pequena.
O Ministério do Meio Ambiente fez uma série de exigências para a concessão de licença para a obra, algumas não integralmente cumpridas.
Já o Ministério dos Transportes e a maioria dos moradores de Manaus querem a recuperação da rodovia, que reduziria o custo do escoamento da produção industrial da cidade para São Paulo e outros mercados do sul do país, além de facilitar os deslocamentos da população da área.
Os poucos moradores instalados ao longo da rodovia também têm esperança de que, com o asfalto, venha o progresso, mas receiam perder as terras que ocupam.
O acesso difícil prejudicou a realização de estudos científicos na região, até hoje praticamente desconhecida. Apesar das dificuldades, a pesquisa aqui relatada buscou reunir dados sobre a fauna de mamíferos em diferentes trechos da BR-319 onde estão sendo avaliados seus possíveis impactos ambientais.
Renato Crouzeilles
Priscilla de Paula Andrade Cobra
Programa de Pós-graduação em Ecologia,
Departamento de Ecologia, Universidade Federal do Rio de Janeiro
Luis Renato Bernardo
Programa de Pós-graduação em Zoologia – Museu Nacional,
Departamento de Ecologia, Universidade Federal do Rio de Janeiro