De todas as perguntas feitas a quem pesquisa células-tronco, a mais delicada é: “Em quanto tempo essas terapias serão oferecidas a pacientes?”. A pergunta exige uma clarividência desconfortável para qualquer cientista sério, que conhece os rumos incertos da pesquisa.
Além disso, a resposta deve ter um equilíbrio entre a absoluta verdade e uma boa dose de otimismo – já fui acusada de jogar “um balde de água fria nos telespectadores” ao declarar que ainda não havia qualquer terapia com células-tronco aprovada para uso em humanos… Por isso, respondo, há vários anos: “Não sei, mas tenho convicção de que nossa geração ainda se beneficiará desses estudos”.
Mas hoje, qual é o ‘estado da arte’ nessa área? Quais os estudos clínicos em andamento? O quanto avançamos na direção de usar as células-tronco para tratar doenças como lesão de medula, doença de Alzheimer e diabetes? Esse texto procura responder a essas questões.
Primeiros resultados
No final dos anos 1990, a medula óssea era a grande vedete da terapia celular. Doenças do sangue já são tratadas há décadas com transplantes de medula óssea, onde as células-tronco hematopoiéticas – que produzem todas as células sanguíneas – de um doador saudável e imunologicamente compatível com o paciente são transplantadas para este, e nele vão gerar células normais do sangue.
Além disso, foi descoberto, no final dos anos 1980, que o sangue do cordão umbilical e da placenta dos recém-nascidos é rico nessas preciosas células-tronco hematopoiéticas, e assim foram criados bancos de sangue de cordão que complementam os bancos de doadores de medula óssea para o tratamento das doenças do sangue.
A grande novidade na virada do século era a possibilidade de, na medula óssea, existir outras células-tronco, capazes de regenerar órgãos – coração, fígado e até cérebro –, como sugeriam alguns trabalhos com camundongos. Assim, vários ensaios clínicos foram iniciados com essas outras células para testar a hipótese em humanos.
Dez anos depois, aprendemos que: 1) essas células-tronco não têm a versatilidade imaginada (embora alguns grupos insistam que elas podem se tornar neurônios); 2) que o mecanismo de ação mais provável dessas células é o de produzir substâncias que promovem uma autorregeneração nos diferentes órgãos para os quais são transplantadas, ou uma supressão do sistema imunológico (o que é interessante para o tratamento de doenças autoimunes, como diabetes tipo I e lúpus); e 3) infelizmente, o efeito terapêutico das células-tronco da medula óssea não é suficiente para justificar seu uso como tratamento em doenças cardíacas, lesão de medula espinhal, diabetes tipo II e epilepsia, entre outros males humanos.
Uma segunda classe conhecida de células-tronco é a das chamadas células-tronco tecido-específicas, que produzem somente as células de um tecido ou órgão. As células-tronco hematopoiéticas, que dão origem às células sanguíneas, são um exemplo.
Na última década, foram identificadas outras células-tronco tecido-específicas, como as do coração (que produzem células do músculo cardíaco e de vasos sanguíneos), da pele (que produzem epiderme, derme e até bulbo capilar), do cérebro (ou neurais, que produzem neurônios e glias) e da linhagem germinativa (produzem óvulos ou espermatozoides).
Essas células, existentes em pequenas quantidades nos respectivos órgãos, são responsáveis pela manutenção dos mesmos ao longo de nossa vida. No entanto, em situações extremas, como um infarto ou uma degeneração neurológica, elas não conseguem dar conta do recado. Os cientistas aprenderam como isolar as células-tronco específicas dos diferentes órgãos e multiplicá-las no laboratório, e elas já começaram a ser testadas em seres humanos, em especial as cardíacas e neurais.
Estudos clínicos de fase 1 (onde se testa a segurança do procedimento em um número pequeno de pacientes voluntários) com células-tronco cardíacas, para reverter lesões causadas por isquemias, e com células-tronco neurais, em pacientes com uma doença neurodegenerativa rara, foram publicados nos últimos dois anos. Não ocorreram, nos dois casos, efeitos adversos, e agora será realizada a fase 2, onde é avaliada a eficácia do tratamento. Em outro estudo, publicado no ano passado, células-tronco que geram espermatozoides restauraram a fertilidade em macacos, passo importante antes de o procedimento ser testado em humanos.
Lygia V. Pereira
Laboratório Nacional de Células-tronco Embrionárias
Departamento de Genética e Biologia Evolutiva
Universidade de São Paulo