O Hippocampus reidi ocorre em toda a costa brasileira (foto: Renato H. A. de Freitas)

2004 não foi definitivamente um ano de comemorações na costa brasileira. Neste ano, duas espécies de cavalo-marinho que ocorrem no nosso litoral – Hippocampus erectus e Hippocampus reidi – entraram para a Lista das Espécies de Peixes e Invertebrados Aquáticos Ameaçadas de Extinção, Sobreexplotadas ou Ameaçadas de Sobreexplotação, organizada pelo Ministério do Meio Ambiente. Com poucos predadores naturais, a maior ameaça ao simpático animal é a exploração humana não-sustentável. Atentos para o problema, pesquisadores universitários já estão tomando medidas para reverter esse quadro.

Ao contrário do que sugere a aparência, os cavalos-marinhos são peixes. Peixes ósseos, da família Syngnathidae , à qual pertencem também os peixes-cachimbo, os dragões marinhos e os cavalos-cachimbo. Sua cauda é preênsil – tem a capacidade de se agarrar a substratos como algas, corais e raízes de mangue. Seu sistema de reprodução é bastante curioso: são os machos que mantêm os filhotes em uma bolsa incubadora e cuidam deles depois de nascidos.

Preocupados com a exploração predatória de cavalos-marinhos no país, pesquisadores do Laboratório de Peixes, Ecologia e Conservação (Lapec) da Universidade Federal da Paraíba (UFPB) vêm estudando esses peixes desde 2000 com o objetivo de elaborar um plano de manejo para as populações brasileiras dessas espécies. Até então essas populações nunca haviam sido estudadas no ambiente natural e as pesquisas feitas em laboratório eram insuficientes para que ações conservacionistas concretas fossem empreendidas. Além disso, o comércio de cavalos-marinhos e suas implicações ecológicas não tinham sido extensamente analisados.

Em 2002, os estudos passaram a ser realizados em parceria com o Instituto Brasileiro de meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis (Ibama), com pesquisadores de diversas universidades brasileiras (UFC, UFPE, UFSCar, UFRPE, UFF, UEPB) e com o Project Seahorse, que coordena as ações mundiais em prol da conservação dos cavalos-marinhos. O estabelecimento dessa rede de pesquisa resultou na coleta de uma grande quantidade de informações acerca desses animais e de seus ambientes no Brasil, assim como no maior entendimento sobre sua captura e comercialização.

Os cavalos-marinhos machos mantêm os filhotes em uma bolsa incubadora e cuidam de sua cria após o nascimento (fotos: Rudie Kuiter)

A cada ano, milhões de cavalos-marinhos são comercializados no mundo. A maioria é usada pela medicina tradicional chinesa, que utiliza exemplares secos na formulação de medicamentos. Centenas de milhares de animais vivos são vendidos pela indústria de peixes ornamentais. No Brasil, existem ambas as modalidades de comércio: vendem-se exemplares secos como suvenires ou amuletos e exemplares vivos como peixes ornamentais. Setenta e sete países estão envolvidos no comércio de cavalos-marinhos, em que o Brasil exerce um importante papel como exportador.

“Há pouca ou nenhuma experiência de criação de cavalos-marinhos em cativeiro no Brasil, de forma que todos os espécimes comercializados, secos ou vivos, são retirados de seu ambiente natural”, relata a bióloga Ierecê Lucena Rosa, coordenadora do Lapec e do Probio Cavalos-Marinhos. “Os exemplares vendidos secos geralmente são capturados por redes para a pesca de camarões. Graças a seu valor comercial, os pescadores os deixam secando no convés dos barcos para vendê-los em seguida”, lamenta.

Percorrendo recentemente boa parte do litoral do país, pesquisadores do Lapec constataram que esses animais ocorrem e são pescados em praticamente toda a extensão da costa brasileira. Como se não bastasse o prejuízo provocado pelo comércio predatório, a localização de seus hábitats preferenciais – mangues, estuários e recifes – torna os cavalos-marinhos cada vez mais suscetíveis a danos causados pelas atividades humanas. “O corte de vegetação em manguezais, a descarga de poluentes em estuários e áreas próximas a recifes e a destruição física desses recifes representam uma pressão adicional sobre os animais. Eles têm pouca mobilidade e se distribuem em espaços pequenos dentro do ecossistema, o que dificulta a recolonização de áreas degradadas”, adverte Ierecê.

Mas existem pontos positivos a serem destacados. Recentemente, os cavalos-marinhos ganharam uma de área de não-captura no estado do Rio Grande do Norte, dentro dos limites da Reserva Estadual de Desenvolvimento Sustentável Ponta do Tubarão. Outra medida importante, por parte do governo federal, foi a diminuição da cota de exportações anuais desses animais. Em 2001 essa cota era de 5 mil exemplares por ano por espécie para cada exportador; hoje o número é de 250. Aponta também nessa direção o recente envolvimento do Ministério do Meio Ambiente na conservação dos cavalos-marinhos, através do Projeto de Conservação e Uso Sustentável da Diversidade Biológica Brasileira (Probio).

A bióloga da UFPB reconhece os avanços conservacionistas. Ainda assim, ela diz que isso não é suficiente para assegurar a proteção desses animais. “Quando tratamos de questões relativas aos cavalos-marinhos, o caminho da proibição pode ser o mais curto, mas pode ser também o mais ineficaz se dissociado de outros fatores, como o conhecimento preciso acerca das causas de declínio das populações, aspectos socioeconômicos e fiscalização. Devemos trabalhar no sentido de uma mudança de atitude e de uma tomada de responsabilidade por parte de todos os setores relevantes para a conservação dos cavalos-marinhos no Brasil ”, alerta.  

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